Outro dia, em um sábado ensolarado, saí com minha esposa para comprar sandálias. Sandálias de dedo, as "populares havaianas", ainda que pudessem ser de qualquer outra marca desde que fossem confortáveis e de boa qualidade. O meu par havia furado de tão usado que foi e as da minha mulher e filhas foram destruídas pelas duas pestinhas que criamos, duas cadelas roedeiras que não perdoam nada que lhe seja colocado ao alcance e que tenha o cheiro de qualquer um de nós.
Cada uma, minha mulher e minha filha, escolheu uma sandália e, além da sandália em si, ainda escolheram alguns apetrechos, similares a broches. Teriam a função de enfeitar os calçados e que eram mais caros que os objetos a que deveriam ornamentar. Mas, discutir, quem há que? Com o dinheiro que cada uma delas gastou em apenas uma sandália, aliás até menos, eu comprei dois pares. E minha mulher quis saber porque diabos eu queria ter dois pares de sandália. Respondi-lhe, um tanto enigmaticamente, que, se muitos almejam ter bens caros para ostentar, eu apenas desejo ostentar para mim mesmo as minhas duas sandálias. Ela riu e fingiu que entendeu o que eu não quis dizer.
Devo confessar que eu não sou o mais entusiasta dos usuários de tênis e sapatos. Sapato mesmo, eu tenho apenas um, para aquelas ocasiões em que não há como fugir deles. Deve ter uns quinze anos de comprado, foi usado raríssimas vezes e se mantém no meu sapateiro, a postos, preparado para aquele momento em que será bravamente convocado a lutar ao meu lado novamente. Tênis, eu não tenho nenhum. Tenho sim, os tais "sapatênis", que a patrulha da vida alheia decretou serem cafonas mas a quem faço ouvidos de mercador e deixo-os esperneando acerca da minha suposta cafonice. Mas, de fato, também, pouco os uso.
Cobrem meus pés diariamente, no trabalho e na maioria dos lugares em que piso, as minhas velhas sandálias de tira. À moda dos romanos, confortáveis e bem ventiladas. Aliás, delas também tenho duas, três até. Duas para a labuta diária e uma para, eventualmente, sair à noite e aos domingos, indo para os lugares em que é possível ir com elas. Em casa, quando acabo de tomar o reconfortante banho noturno, calço uma das minhas duas "havaianas". E, novamente, lá vem a mulher me questionar para que eu quero duas sandálias.
Eu quero duas sandálias para não ter que calcá-las novamente ao voltar, caso tenha que sair rapidamente de casa durante á noite. Quero duas sandálias para não ter que lavá-las imediatamente caso pise acidentalmente nos "totôs" que minhas cadelinhas eventualmente fazem fora do lugar no quintal. Quero duas sandálias para não ter que usar em casa as mesmas com que fui à praia no domingo e que voltaram cheias de areia. Quero duas sandálias nem que seja para, simplesmente, poder escolher, entre as duas, qual usar após o banho. Sequer são três, quatro ou cinco. Eu quero apenas ter, e tenho, duas sandálias.
O que importa é que eu só tenho um carro e não me preocupo em ter dois. Aliás, se eu pudesse, nem um eu teria. Adoro andar a pé e detesto ter que me preocupar com manutenção, IPVA, licenciamento, carteira de habilitação e, principalmente, motoristas loucos soltos pelas ruas. E aí é que fica mais evidente o meu amor pelas minhas duas sandálias. São elas a minha garagem noturna, onde guardo e repouso o meu melhor veículo, os meus próprios pés. Daí agraciá-los com duas confortáveis sandálias caseiras para os momentos de descanso.
Todo homem deveria ter duas sandálias. Poderiam não ser exatamente duas sandálias. Duas bermudas surradas, duas camisas furadas, dois pijamas envelhecidos, tanto faz. Mas que fossem dois os objetos que guarda para confortá-lo na merecida hora do descanso. Apenas um smartphone, um notebook, um carro ou uma corrente de ouro. Que eu tenha um de cada de tudo que eu necessite e que me satisfaça, desde que sejam conquistados com o fruto do meu trabalho. Mas minhas sandálias não. As sandálias têm que ser duas. A minha riqueza se mede pela minha paz de espírito e nada mais espiritual e pacífico do que a hora do descanso.
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