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PLUG LASER: A HISTÓRIA NÃO CONTADA - PARTE III

Em uma época em que não haviam shoppings na cidade, o horário de encerramento da Plug Laser era um diferencial importante para o sucesso da loja. Fechávamos todos os dias às 19 horas e, aos sábados, às 17 e muitos clientes iam fazer o "happy-hour" com uma latinha de cerveja na mão e discos a comprar. Outro artifício que rendeu boas vendas era, em época de cheques pré-datados, sem que ainda ocorresse a popularização dos cartões de crédito, oferecer aos clientes 40 dias direto para pagar. Ampliamos algumas vezes este prazo para 40-70-100, dividindo o valor em 3 vezes. O risco era o mesmo de se vender com cheque -  prática bastante comum naquela época - e a inadimplência eventual, pelo menos naquele momento, ainda não era preocupante.

Outra estratégia que conquistou muitos clientes foi ter encomendado alguns milhares de bolsas feitas em um material chamado courino que, à época, era muito barato, e ofertado como brinde aos clientes que compravam uma determinada quantidade de discos.  As bolsas eram muito  bonitas e bastante duráveis e acompanhavam seus donos à praia, ao supermercado, ao futebol e tantos outros lugares, fazendo uma propaganda gratuita da loja. Havia quem pedisse, sem comprar nada, na cara de pau, um dos dois modelos de bolsinhas, uma maior e outra menor. Sempre abríamos mão da quantidade necessária de discos comprados mas exigíamos a aquisição de, ao menos, um único disco. Mas havia até quem quisesse comprar as bolsas sem levar os discos.

O atendimento era, de fato, mega personalizado. Conhecíamos os clientes pelo nome e, até mesmo, pelo gosto pessoal. Era comum que chegassem perguntando informalmente se havia alguma coisa nova para eles. E sim, apresentávamos determinado disco - ou discos - que acabavam sendo comprados. Até hoje eu sei quando um determinado artista tem potencial para agradar alguns ex-fregueses que acabaram se tornando amigos.

Praticamente, desde o primeiro momento, nós trabalhamos com CDs importados. A possibilidade de encomendar qualquer título que estivesse em catálogo nos mercados norte-americano, japonês ou europeu fazia com que pudéssemos atender qualquer pedido que nos fosse feito. Em 1995. criamos uma filial que trabalharia apenas com títulos importados. A princípio se chamaria Plug Import mas um cliente, funcionário da receita estadual, nos desaconselhou porque chamaria desnecessariamente a atenção do fisco. Virou Plug Special. Mas não durou muito. Os clientes gostavam mesmo era da Plug Laser e iam para a matriz pedindo que os discos fossem mandados da filial para serem escutados e comprados na matriz.

O melhor público para CDs importados era o do reggae.  Havia uma escassez de títulos deste estilo e os fãs pagavam qualquer preço pelos "trabalhos" - eram assim chamados por eles os álbuns disponíveis -  de seus artistas preferidos. Quando a Plug Special foi inaugurada , encomendamos mil títulos diferentes da música jamaicana. O que não sabíamos é que havia uma diferença entre o reggae original, chamado de "roots" ou raiz e o o reggae mais moderno, chamado de "dancehall". Acontece que os maiores nomes do estilo gravavam discos específicos das duas variações. Então, simplesmente, o que era dancehall ficava encalhado na loja. Tivemos que tomar uma medida drástica e não permitir mais que os CDs  fossem abertos e ouvidos. Mas ainda assim, os fãs de reggae arriscavam. Como forma de repartir o prejuízo, recomprávamos o disco de dancehall pela metade do preço e o colocávamos em promoção. Assim, mais barato, vendia fácil e ficava todo mundo feliz  Depois de um certo tempo já sabíamos diferenciar o que era raíz e o que era dancehall. E os regueiros também. E ficava tudo na paz de Jah e na prosperidade de Mamon. A Babilônia, afinal, não perdoava ninguém.

Comentários

Unknown disse…
Mestre, tais escritos são um refrigério de alma.

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