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Bons discos para aumentar a sua cultura musical Pt. I

DOUBLE EXPOSURE - Television (1978) - Se alguém te perguntar qual foi o primeiro disco do grupo nova-iorquino Television, você vai dizer sem titubear que foi o fracasso de vendas/sucesso de crítica Marquee Moon lançado em 77, certo? Bem, você está absolutamente certo. Marquee Moon foi mesmo o primeiro lançamento da banda, que foi do nada para lugar nenhum em sua curta existência, mas conseguiu influenciar uma série de bandas que vieram bem depois.

Só que antes havia uma fita cassete que costumava circular por Nova-Iorque de forma doméstica, contendo algumas demos e gravações ao vivo feitas naquele clube, você sabe qual, onde onze de cada dez bandas daquela época se apresentavam. Diz a lenda que um traficante amigo da rapaziada era tão fã do grupo que chegou a prensar algumas cópias do trabalho em vinil. De concreto, só o fato que, em 1978, após o lançamento do primeiro disco oficial, um pequeno selo local conseguiu direitos legais sobre o material e acabou lançando "oficialmente" a demo, o lp pirata, ou como você queira chamá-lo. O título da bolacha fazia justamente menção ao fato de que os garotos do Television estavam em "dupla exposição", com o disco pela Elektra e por esta demo.

A Elektra, que já estava cansada de problemas com os "big stars" que a turma de Detroit havia contratado, uns tais de MC5 e Stooges, que traziam muito mais confusão do que retorno financeiro, não gostou nada nada da ideia e tentou retirar, sem sucesso, o lp de circulação. Dizem as muito más línguas que Double Exposure vendeu mais ou menos o dobro de Marquee Moon, o que, podem acreditar, ainda não era muita coisa (o disco só atingiria a marca de 150 mil cópias quinze anos depois de lançado). Mas o disco pirata não passava de uma demo mal-gravada e, exceção ao fato de trazer a melhor música  jamais gravada oficialmente pelo Television, a sessentista Hard On Love (era de Richard Hell, ex-baixista expulso da banda por não saber tocar), se tratava mais de um ítem de colecionador do que um disco a ser ouvido. Quando foi relançado em cd, em 1990, também como pirata, foram acrescidas as gravações-demo feitas para tentar um contrato com a Elektra. Mas o melhor ainda está entre as dez faixas "originais" do disco.




FREEWAYS - Bachman-Turner Overdrive (1977) -  O ano era aquele em que nós todos já sabemos o que aconteceu.  Enquanto o punk estourava na Inglaterra, em outro reino da União Britânica, o Canadá, uma banda esquisitona atingia os primeiros lugares da parada com mais um disco vigoroso de rock and roll. 

Como o rock do Canadá sempre foi tratado nos EUA como uma excentricidade, a imprensa norte-americana recebeu "Freeways", como em todos os lançamentos do BTO: sem dar a devida importância. Último disco com o fundador e mentor Randy Bachman, "Freeways" é considerado por muitos fãs como o canto do cisne da banda. Nos álbuns seguintes, o BTO parecia ter perdido todas as características que os fizeram famosos. 

Registrando uma queda enorme nas vendas e na popularidade, o grupo acabaria em 1978, retornando em 83, novamente com Randy, para shows. Voltariam a gravar canções inéditas em 88, encerrando definitivamente as atividades em 92.  Mas até hoje Freeways é considerado o disco definitivo do grupo. Inclusive por mim.




AROUND THE WORLD IN A DAY - Prince & The Revolution (1986) - O artista que um dia foi conhecido por um símbolo e que recentemente voltou a se chamar Prince foi quem mais vendeu discos nos EUA em 1984, com o álbum Purple Rain, suposta trilha do filme homônimo. Digo suposta porque ninguém sabe ao certo se é a trilha do filme ou o filme da trilha. Ou seja, se o filme é inspirado na trilha ou vice-versa. Pelo enredo confuso, parece mesmo que o filme é que foi inspirado nas canções do disco, mas isto é uma outra história. Depois de ter vendido mais de 10 milhões de cópias na terra de Tio Sam, Prince sabia que a cobrança sobre um próximo disco seria tremenda. 


A gravadora iria, logicamente, querer que ele mantivesse as altas vendagens de Purple Rain, e ele sabia que isto seria praticamente impossível. Prince não queria cair na armadilha em que seu colega Michael Jackson havia caído. Antes de se especializar em escândalos ao ser acusado de dividir a cama com "outros" garotos, Jacko costumava gravar excelentes discos como Off The Wall e Thriller. Acontece que este último é o disco mais vendido da indústria fonográfica e a Epic, na época, exigiu um sucessor à altura. Michael pariu Bad, um disco um tanto xoxo e sem brilho, que foi o primeiro passo para o declínio do ex-boy wonder. Prince também rolaria escada abaixo após Purple Rain, mas ainda lançaria discos de boas vendagens como Sign O' Times e o bichíssimo Parade, que contém o hit Kiss, balada gay devidamente masculinizada por Tom Jones alguns anos depois, com a ajuda do combo moderninho Art Of Noisa. Mas isto também é uma outra história.

Voltando ao sucessor de Purple Rain, Prince optou por lançar um disco totalmente diferente de seu antecessor. O resultado é Around The World In a Day, um álbum difícil, anti-comercial, cheio de referências à, então em voga, world music, mas sem cair em lugares-comuns e clichês fáceis. Nada de baladas longas e viajantes nem de funks com refrões ganchudos. As únicas exceções, que não por acaso são os únicos "sucessos" do disco, as excelentes Raspberry Beret e Pop Life, são justamente sobras de Purple Rain.

dissociação com o disco anterior começa já na capa. Antes mesmo de querer ser conhecido por um símbolo, motivo de eternas piadas em filmes de quinta categoria, Prince evitara ter seu nome na capa deste disco. A gravadora americana deu um jeito de colocar o nome do artista no balão que faz com que o menino voe. A brasileira se achou no direito de colocar mais uma vez o nome de Prince, agora em letras brancas e garrafais. O disco é repleto de arranjos pouco convencionais e, curiosamente, mais limpos do que em seus discos anteriores. Talvez seja o disco do artista com mais músicas boas pouco conhecidas, e, no fundo, nem é tão anti-comercial assim, como, na época, a crítica fez questão de alardear. Tem até uma espécie de "Purple Rain II", a fraquinha The Ladder.

Fugir da armadilha de tentar repetir o sucesso de um disco estourado deu a Prince gás para que sua carreira se sustentasse por, no mínimo, mais cinco anos. Brigou com a gravadora justamente por conta das pressões para que lançasse um disco "comercial", mudou de nome, praticamente sumiu durante os anos 90 e tentou um retorno sem sucesso na primeira metade dos anos zero. Se tivesse parado em "Around The World In A Day", encerraria a carreira de forma brilhante e viraria uma lenda. Maior do que já é.





Altered Images - Reflected Images (The Best Of Altered Images) - Existem diversos tipos de coletâneas. Há as que são tão perfeitas que você as tem, mesmo que já tenha toda a discografia do grupo (dois exemplos: as do Cure e do Echo & The Bunnymen. Exatamente. Aquelas mesmas).. Existem outras, as básicas. Estas servem para aqueles grupos que não vale a pena ter todos os discos, mas que têm singles irresistíveis. Este é exatamente o caso da banda escocesa "Altered Images". Naturais de Glasgow, eles foram descobertos por Siouxie Sioux, que logo providenciou a gravação de seu primeiro single. 

Mas o azar estava com eles e o lançamento do disco, com a música Dead Pop Stars (Estrelas pop mortas) ocorreu uma semana antes da morte de John Lennon. O tema não era muito palatável para o momento. Só conseguiram sucesso com o terceiro compacto, com a música Happy Birthday, que todo mundo que teve video-cassete nos anos 80 conhece mas não sabe o que é, pois é o tema que toca no início de todo filme VHS da Alpha Filmes. Liderados pela punkette Clare Coogan, os Altered Images são aquele tipo de banda típica dos anos 80, com forte presença de teclados e muito, muito pop. Não foram, nem nunca seriam, a salvação do rock ou coisa parecida. Em caso de dúvida, o Soulseek está aí. Baixe "Don't talk to me about love" e "Happy birthday". Mas não se esqueçam de comprar o disco, pois precisamos apoiar as gravadoras.




The Blasters - Non-Fiction (1983) - Dave e Phil Alvin são dois irmãos de Chicago, apaixonados pelo rock clássico norte-americano e ha quase 30 anos estão a frente de uma banda verdadeiramente lendária, os Blasters. Sabe aquele tipo de cara que se veste como se ainda estivesse nos anos 50? Pois bem, assim são os caras e este detalhe dá uma idéia da paixão e competência que envolve o trabalho deste grupo. 

Tradiicionalistas ao extremo, já foram rotulados como country-billy, mas a etiqueta apertada limita demais o som do grupo, que, mesmo um tanto hermético, ainda passeia pelo rhythm'n'blues e pela soul music. No Brasil, são amplamente ignorados, mesmo depois de terem participado do filme "Ruas de Fogo", de Dave Hill, que fez bastante sucesso no país, e, em cuja trilha sonora, incluíram duas de suas melhores composições. Para quem assistiu o filme mas não lembra, eles são aquela banda que toca no inferninho mantido pelos vilões. Este "Non-Fiction", na verdade, foi lançado por aqui bem antes desta aparição cinematográfica, mas não fez dos Blasters mais conhecidos em terras tropicais do que deveriam. Mesmo na discografia americana não é um disco fácil de encontrar, nunca tendo sido relançado em CD. Se achar no sebo mais próximo, leve pra casa sem pestanejar.

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