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A FANDEMIA.

Talvez você não saiba - e esta informação certamente não mudará nada em sua vida -  mas 90% da humanidade peida em Lá. Sim, na nota Lá. Menos de 10% dos humanos peidam em Si e uma parcela ínfima dos povos do planeta Terra têm a manha de peidar em Lá e Si. Mas só exemplares raríssimos dos homossapiens conseguem reproduzir ambas as notas em um único flato. Não me pergunte como e porque os cientistas chegaram a esta conclusão mas isto me lembra muito aquela frase que diz que "fã que é fã curte até o peido do seu artista preferido". E, certamente, há muito de verdade neste enunciado.

Os primeiros fãs que ganhamos, ainda na primeiríssima infância, são nossos avós. Acham tudo que fazemos absolutamente maravilhoso e sim, somos seres especiais pois arrotamos, golfamos, balbuciamos e engatinhamos de maneira totalmente diferente de nossos iguais, os bebês de nossa idade.

Quando crescemos mais um pouco são os pais, ou melhor, um deles, que assume o lugar de nosso admirador incondicional. Digo um deles, porque o outro passa a encarnar a figura do crítico arrogante, que nos acha abertamente pouco talentosos e que vai encenar o papel do "policial mau' enquanto o outro genitor seria o "policial bonzinho". Assim, ganhamos logo cedo uma guitarra, um piano ou uma bateria, geralmente de um deles a contragosto do outro, e o policial bonzinho nos incentiva a aprender a tocar. Quando ensaiamos nossos toscos primeiros acordes, é ele que nos aplaude freneticamente.

Depois vêm os irmãos, os primos, as tias e mais tarde as namoradas e os amigos, todos se tornando instantaneamente nossos fãs incondicionais, que não entendem porque o resto do mundo ainda não nos descobriu.  E assim, crescemos em um ambiente onde somos incentivados a sermos semi-medíocres, a fazer apenas 50% porque seremos aplaudidos com a mesma intensidade que seríamos se tivéssemos feito 100%.

Quando finalmente nos tornamos arremedos de artistas, seja em uma solitária carreira-solo em pequenos bares ou festinhas ou ainda  em uma banda presa na garagem, logo aparecem os primeiros fãs sem vínculos anteriores de amizade. As meninas que passam a frequentar os ensaios, os gatos pingados que insistem em assistir nossas apresentações. E se conseguimos ir adiante, a quantidade de seguidores vai aumentando e quando nos damos conta já há um fã-clube se formando. Quando menos esperamos nos tornamos celebridades.

E a celebridade passa a ser cobrada na justa medida do fanatismo de seus admiradores. Celebridade não pode ter um dia ruim, não pode ter insônia, não pode estar de mau humor, não pode ter ficado sem fazer cocô de manhã cedo. Quando um artista maltrata um fã, muitas vezes um fã absolutamente inconveniente, logo é taxado de antipático. E corre o risco de ser "cancelado" como se diz e faz nos dias de hoje.

E há também o fã que vive duas vidas ao mesmo tempo, a sua e a de seu ídolo. Conhece a vida do idolatrado nos mínimos detalhes, mais que o próprio artista e, se duvidar, mais que a dele mesmo. E este fã, na imensa maioria das vezes, é insuportável fora do universo dos seus iguais.

O fã também é um feroz inimigo da criatividade do artista.  O músico não pode se afastar um milímetro da fórmula que o consagrou sem que seja duramente cobrado. Assim, o artista famoso acaba regurgitando o mesmo álbum diversas vezes, enquanto o fã acha tudo aquilo totalmente genial.

Dois tipos de fãs são particularmente difíceis de aturar: Fãs dos Beatles e de Raul Seixas. Eu imagino o quanto de admiradores normais estes artistas poderiam ainda arrebanhar, porém isto acaba não acontecendo porque a antipatia que se tem pelo fã acaba sendo transferida para o artista. Qual músico - que não seja ele mesmo fã de Raul Seixas - tolera aquele bando de malas sem alça nos shows pedindo "toca Raul" a cada minuto? E quem aguenta mais os fãs dos Beatles, perdidos no tempo, achando que a música que se fez nos últimos 50 anos - fora, claro, a feita pelos ex-beatles - não faz jus á soberba genialidade dos quatro de Liverpool? Para o fã tóxico dos Beatles, a banda não foi inspirada por nenhum outro artista, nenhum artista contemporâneo a eles os superaram em nenhum momento e, após o final do grupo nada foi feito que ultrapassasse a "magia única" daqueles artistas.

Já para o fã de Raul Seixas, ainda que fosse o baiano um orgulhoso reprodutor dos três acordes fundamentais do rock and roll e ainda que Seixas fosse pego inúmeras vezes surrupiando a melodia e a letra alheia, o maluco beleza segue completamente intocável e incriticável.

A música pop trouxe consigo o conceito de ídolo, inexistente antes do advento do rock e do pop Frank Sinatra era amado pelas mulheres e imitado pelos homens mas muito mais por suas atuações como ator no cinema. O foco dos fãs do Sinatra cantor da década de 40 e meados de 50 era muito mais a sua música que a sua persona. E isto é bem notável em seu parceiro Dean Martin, também cantor e ator. Com Elvis Presley  nasceu a idolatria e o fã aguerrido de música. E, não por acaso, há uma enorme religiosidade em torno da figura de Elvis, que em sua carreira gravou inúmeros discos de música gospel. O conceito da idolatria ao artista musical passa a substituir a idolatria religiosa e justamente por isto, passa também a representar um enorme perigo para a igreja. Jesus, os santos e até mesmo os papas, são seres absolutamente perfeitos e impecáveis. Os ídolos do rock e do pop também.

Por fim, não há como esquecer: Fãs perseguem, abusam, assediam de maneira criminosa e até chegam a matar. Foi em um dia 8 de dezembro de 2004 que o guitarrista Dimebag Darrell foi assassinado no palco enquanto se apresentava com sua nova banda, morto por um fã inconformado com o fim do Pantera, o seu antigo grupo. 24 anos antes, neste mesmo dia, um fã acabava gratuitamente com a vida de John Lennon, ex-integrante dos Beatles, apenas por querer entrar para a história de seu ídolo, já que ele mesmo o imitava, até mesmo tendo uma esposa oriental.

Se eu pudesse dar um conselho a um jovem músico iniciante, eu que já tive uma banda com uma pequena quantidade de fãs, eu diria para buscar admiradores que amem sua música de verdade mas não liguem a mínima para quem é você. Fãs confundem tudo. Parafraseando o gordinho mala da Globo, eles querem o artista tanto no pessoal quanto no profissional. É como se um médico tivesse que andar de branco e com o estetoscópio na mão 24 horas por dia receitando drogas a todos ou o  pedreiro preparasse uma massa de cimento, areia e água em cada lugar que chegasse. O fã, absolutamente, não descansa e não deixa seu ídolo descansar. Nem depois de morto.






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