Hoje, no dia 7 de abril de 2021, quando escrevo estas linhas, Antônio Carlos Bernardes Gomes completaria 80 anos se estivesse vivo. Para que fique claro o quanto este homem é importante na minha vida, eu tenho que confessar que, simplesmente, detesto cerveja, na contramão de todos os brasileiros, mas consumo regularmente a cerveja que estampa na lata a sua foto estilizada, a Cacildis. E vai aqui um merchan inédito e gratuito que nunca fiz para absolutamente nenhuma marca, tenha sido pago ou não.
Até aqui muitos dos que leem já sabem que falo do inesquecível Mussum, ator, comediante, músico, compositor e uma das figuras que acredito que melhor representem o brasileiro. Não o brasileiro comum, o do jeitinho e da malandragem escrota. Mussum representa o brasileiro que leva a vida com leveza, alegria, sem depressão, sem rancor, se indignando com aquilo com que deve se indignar mas jamais perdendo o bom humor. Mussum faz muita falta nos dias de hoje.
Ao contrário da maioria das pessoas, Mussum me chamou a atenção um pouco antes de se revelar para mim como comediante, quando ainda era cantor e percussionista do grupo Os Originais do Samba. A sua contagiante e bem humorada canção "Tragédia no Fundo do Mar (O Assassinato do Camarão)" me pegou de jeito naquele verão tórrido de 1976, quando eu ainda tinha apenas dez anos de idade. Em seguida, e só em seguida, que eu descobri que aquele homem negro sorridente e simpático, era o mesmo do grupo Os Trapalhões, cujo programa passei a assistir, com muita dificuldade pela péssima recepção, no canal local que reproduzia a TV Tupi.
Quando, ainda no mesmo ano, Os Trapalhões se mudaram para a Globo, eu me tornei, como todo menino da minha idade, um fã irremediável do quarteto mas a minha identificação maior, ainda que tivesse um xará na troupe, sempre foi com o negão. Negão, aliás, é "o meu passadis". Eu sei, Mussa, eu sei.
Há quem desrespeite a figura de Mussum, neste revisionismo idiota da atualidade, e tente transformá-lo em uma espécie de Pai Tomás tropicalizado. Mussum seria subserviente, conivente e se permitiria ser humilhado, aceitava o racismo que lhe era imposto. Nada mais típico de quem não viveu os anos 70 e seja incapaz de entender que haviam estereótipos evidentes ali nos Trapalhões. Havia o nordestino, o gay, o bobo e o pobre. E Mussum representava o pobre, que era "atacado" - eu usaria "zoado" - por onde se podia e uma das formas com que se fazia isso, na permissividade quase que exclusiva daquela década, era a sua cor.
Mas o Mussa sempre tirou isso de letra. Sempre reagiu às manifestações racistas do "comedor de rapadura" e de seus outros colegas com a virulência divertida que nos fazia rir, mas ao mesmo tempo aprender que racismo e discriminação era algo efetivamente errado. Mussum despertava a vontade de ser negro em um menino branco como eu. Imagine o que ele não fazia com os meninos que eram efetivamente da etnia dele? E o resultado pode ser conferido digitando no google as palavras Mussum e Meme. O Antônio Carlos é absolutamente adorado por todas as gerações. Se você não gosta do cara, há algo de muito errado com você. Se trate.
Apesar de encarnar a figura do "bebedor de mé", que os chatos e hipócritas, consumidores de álcool em um país em que a cerveja é uma espécie de maná líquido, chamarão de apologista do alcoolismo, Antônio Carlos, segundo seus próprios filhos, sabia beber e jamais se embebedava. Parava na hora que tinha que parar. Pena que este autocontrole sobre o beber, ele não teve em sua própria vida e parou de nos fazer rir muito antes do que deveria.
Em uma tarde do finalzinho de julho de 1994, o Brasil anoitecia mais triste. O homem que nos ensinou uma nova forma de falar o português se calava para sempre. Ave, Mussum. Deus já não aguenta mais as suas trapalhadas lá no céu de tanto que ri. Está na hora de te mandar de volta para alegrar um pouco este triste país.
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