Eu nunca tive o (mau) hábito de fazer acepção de pessoas e acredito que transmiti muito bem esta premissa para os funcionários da Plug Laser. Ninguém ali, nenhum cliente, jamais foi discriminado na loja fosse porque motivo fosse. Por ser homossexual, heterossexual, homem, mulher, pobre, rico, negro ou branco, bonito ou feio. Acredito que, na verdade, nem precisei passar estas noções para os funcionários que trabalhavam comigo porque eles mesmos já tinham esta concepção vinda de berço. Não foi a toa que sempre foram escolhidos a dedo. Aliás, esta expressão, "escolhidos a dedo", renderia uma série de gozações e deboches no ambiente interno da loja porque não éramos preconceituosos mas jamais perdíamos uma piada por mais politicamente incorreta que fosse.
Daí que o bullying corria solto entre os funcionários, antes mesmo que esta palavra virasse moda. Eu fazia vistas grossas às brincadeiras entre eles, dava risadas e pedia apenas que não me envolvessem nelas. Se houvesse algum excesso, aí sim, eu interferiria. Uma das brincadeiras mais comuns era a que envolvia as mães deles. Contavam histórias fictícias das mães uns dos outros e o "ofendido" quase sempre ria junto, embora nem sempre tenha sido assim.
Costumavam, por exemplo, dizer que a mãe de um deles teria ido passar férias na Jamaica, onde teria conhecido Bob Marley e engravidado do artista, dando origem ao filho ilustre e feirense do rei do reggae. Outra versão afirmava que a mãe do coitado teria morado no Rio de Janeiro e conhecido o ator que interpretava o tio Barnabé, personagem do Sítio do Pica-Pau Amarelo e que, este sim, seria o verdadeiro pai. De outra mãe era contado causos de quando ela morava em seu planeta natal, antes de vir para a Terra. A pobre mãe tinha um nome que evocava que ela teria um certo planeta como local de nascimento.
Um dos funcionários era fã de um grande artista do pop e, inclusive, era chamado pelo primeiro nome do popstar. Sua mãe, por sua vez, era chamada pelo nome da mãe do artista e, certa vez, ele não aguentou tanta gozação e chorou. Pedi que dessem um basta naquilo. Excluíram a mãe do rapaz das brincadeiras mas continuaram brincando entre si. Outro funcionário deixou claro que não queria sua mãe envolvida nas pilhérias e começaram a me perguntar desesperadamente qual era o nome da sua genitora. Eu, que também não prestava, peguei um disco de grandes sucessos de Simon & Garfunkel e disse:
- O nome dela está aqui. Acha aí.
O funcionário bateu os olhos em "América" e "D. América" passou a ser impiedosamente alvo das chacotas. O bullyinado aguentou tudo calado, fazendo uma cara de indignado blasé, mas sem se importar muito. Afinal, o nome de sua mãe era Cecília.
Tínhamos um cliente que era um senhor endinheirado, petroleiro aposentado, que jamais entrava na loja para comprar menos de dez discos e sempre levava a tiracolo um homem bem mais novo a quem sempre dizia para escolher o que quisesse. O senhor era visivelmente homossexual e sempre suspeitamos que o rapaz mais jovem era uma espécie de amante seu, a quem ele sustentava. Mas não perdíamos muito tempo em divagações sobre este assunto. Simplesmente, não era da nossa conta.
A nova brincadeira só acabou quando o último disco de Joanna foi vendido.
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