Após este segundo show no Antiquário, passamos a tocar em todos os lugares em que era possível tocar na cidade. Bares, festivais, festivais em bares e bares em festivais. Os pais de Josias, para meu absoluto espanto, não se importavam com o fato do filho estar no meio de dois adultos de "reputação libada" e dois garotos com fama de maus. De qualquer forma, eu estava ali em uma banda com meu filho também para vigiar seus passos, já que eu conheço muito bem o meio musical, e aproveitava para vigiar também os passos de Josias, por quem eu julgava responsável. Não que isso fosse muito necessário. Josias, loiro e branco que nem leite, era o perfeito exemplo do WASP, o menino branco, careta e conservador. Além de, evidentemente, parecer uma criança. Mas, na verdade, nem Stephen nem Josias me deram o menor trabalho enquanto estivemos juntos na mesma banda.
Afiados e com o repertório na ponta da língua e dos dedos, resolvemos gravar uma demo. Escolhemos um domingo, dia 26 de setembro de 2004. Lembro da data também porque foi o dia em que minha sobrinha nasceu. Montamos a parafernália na sala da minha casa e contratamos novamente os serviços do DJ Sérgio Tadeu para gravar o petardo. Sérgio levou uma mesa de oito canais, um gravador MIDI e diversos microfones. "Harry" - o outro nome do ilustre DJ - plugou o baixo, os microfones e as guitarras às mesas, sacou uma garrafa de 51, espremeu um limão e deu início aos trabalhos. Nós - nós, evidentemente, eu e Zé - não bebemos para não atrapalhar o bom andamento dos trabalhos.
Tudo foi feito de uma vez só - ao vivaço - com os instrumentos todos em linha e a bateria um tanto mal microfonada, tanto que não há nem sinal de bumbo na gravação. Isto apesar da maravilhosa performance de Ítalo Alfredo, o melhor músico daquele dia, embora Josias e Stephen estivessem, verdadeiramente, com sangue nos olhos. Tocávamos até que conseguíamos gravar sem errar e partíamos para outra música. E assim, fizemos tudo em uma única tarde. Gravamos 15 músicas que foram todas parar naquilo que passamos a chamar de nosso primeiro disco.
Algumas faixas saíram defeituosas mas lançamos assim mesmo, a princípio como bônus da versão virtual, depois nas edições seguintes do disco. Na verdade, foram duas. Em Rua Augusta, o defeito foi no final da faixa e utilizamos o velho recurso do fade out. Já em O Advinhão, o gravador MIDI falhou e ficou parecendo um disco de vinil pulando. Adoramos o defeito especial. "Os Brotos Também Amam" estava pronto para ser lançado.
O disco abre com "Solução Oral", que também foi a primeira a ser gravada. Uma canção desavergonhadamente roubada da banda alemã Spider Murphy Gang. O solo de Josias nesta faixa é algo absolutamente fantástico, que jamais foi repetido por nenhum outro guitarrista que passou pela banda. Alguns sequer ousaram tentar repetir, preferindo, muitas vezes, apenas criar seu próprio rascunho. Para o álbum, trocamos a frase "você vem chupar meu pau" por "Você beija muito mal". Mas esta versão "politicamente correta" já era cantada assim nos shows mais "familiares". Era, basicamente, a presença ou não dos pais de Josias - além é claro, do ambiente em si - que determinava qual versão da letra seria cantada.
A segunda canção é - ora vejam, quem poderia adivinhar? - "Segundo", uma composição verdadeiramente original. Com uma introdução que cita "The Man With The Gold Arm" (uma pequena arte de Josias), a faixa teria a participação de uma cantora famosa na cidade que amou a canção e aprendeu a letra mas não compareceu, no dia, ao local da gravação. O resultado é que Zé antecipou Pablo Vittar em, pelo menos, 15 anos, e assumiu o falsete na gravação com resultados, no mínimo, curiosos.
"Se Você Ficar", também uma original, é a terceira faixa e o "hit" do disco. Foi uma das que ficaram melhor registradas, apesar de um pequeno erro meu antes de um dos refrãos. Não fosse o meu velho pedal fuzz ter dado a impressão de que alguém ligou uma batedeira na cozinha, a gravação teria ficado maravilhosa. Aliás, este "defeito especial" foi uma das razões determinantes para a faixa ser regravada no disco seguinte.
"É Onda" é mais uma cover, desta vez da banda carioca da jovem guarda The Brazilian Bitles. Mais uma que as pessoas juravam que era nossa. "Números" é mais uma autoral. A semelhança da introdução com "Last Nite" dos Strokes não é acidental. Na verdade, o nosso arranjo para o hit dos Strokes ficou tão bom que eu preferi fazer uma outra música. A letra, confessional, destoa completamente das outras e é a minha primeira composição pessoal em, na época, quase 20 anos.
"Secret Agent Man", nossa versão para o clássico de Johnny Rivers, chegaria a ser elogiada por um grande guitarrista do rock nacional e ser citada em uma parada alternativa de rockabilly no Japão. "Agito e Uso" era para ser um cover rockabilly de Angela Ro-Ro, mas Zé Mário aprendeu a divisão da versão das Frenéticas. Tivemos que desacelerar a canção mas o resultado ficou bastante interessante.
"Nasci Para Comer" traz de volta o meu velho e péssimo fuzz batedeira de bolo. É uma cover de uma antiga banda minha, os Traidores do Movimento". Os Traidores eram um grupo completamente politicamente incorreto. As letras das canções eram semi pornográficas e esta, apesar de ser uma das mais leves, era também, em si, um insulto. Os versos "Você que são viados / Têm que me entender / Eu não nasci para ser comido / Eu nasci para comer" são um exemplo de porque a canção, simplesmente, não poderia existir hoje. Na gravação, "viados" foi trocada por "sensíveis". Uma curiosidade
sobre esta faixa: Tivemos que gravar ela novamente três vezes, porque Zé insistia em cantar "Eu nasci pra ser comido / Eu não nasci para comer". Por engano, evidentemente... ... ....(Será?).
A primeira versão de "Pior Sem Ela", contida neste disco, é apenas um plágio vagabundo de "I Got a Woman", clássico dos anos 50. "Baby Look" manteve o palavrão (palavrão?) "bronha" e é uma das faixas que eu mais gosto do resultado final. "O Advinhão", uma "cover pizza" , mezzo do Magazine, mezzo de Baby Santiago, a princípio, não entrou na primeira edição do disco, sendo um bônus da versão que jogamos na internet, devido aos inúmeros problemas da faixa. A mesma coisa aconteceu com "Rock Das Aranha", a famosa canção roubada por Raul Seixas. Tivemos problemas com a autorização da gravação e ela acabou ficando de fora. No entanto, como fazia parte da edição virtual, acabou aparecendo em uma coletânea feita pelo fã-clube paulista e oficial do roqueiro baiano.
"Você Morreu Pra Mim", uma cover da banda The Fevers, também um de nossos primeiros billies. onde novamente Josias escancara talento no solo. Era conhecida como o "sambinha da LP" por conta da introdução em ritmo de samba antes de Stephen chamar no baixo com vontade e começar a porradaria. Uma curiosidade é que, na paradinha no meio da música, dá para ouvir o ruído de um dos cabos mal conectados, o que também a retirou da primeira edição do disco. "Rua Augusta", apesar de rasgados elogios, também ficou de fora da primeira edição. Trocamos parte da letra para "Coloquei cento e trinta com destino á cidade / Na Getúlio Vargas Botei velocidade / Com dois pneus carecas e uisque no banco / Dei contramão na Conselheiro Franco", afinal éramos uma banda de Feira de Santana.
Encerrando todas as edições do disco está o instrumental "Pet Music", que foi, por muito tempo, o tema de abertura dos shows. "Os Brotos Também Amam" vendeu 300 cópias logo nas três primeiras edições do CD-R, isso em pouco mais de um mês. Quando fizemos a quarta tiragem, trocamos a capa e acrescentamos as faixas que não entraram nas versões anteriores. A quantidade de discos vendidos desta e das edições seguintes, eu não sei precisar, mas, seguramente, se aproxima dos três milhares. É o lançamento que mais vendeu.
Sobre a capa original: Naquele tempo, celulares com câmera eram absoluta e cara novidade. Um amigo comprou um deles e levou para o nosso ensaio, tirando inúmeras fotos de péssima qualidade - mas que eram as melhores possíveis em um celular - e que foram parar na capa do disco. Acabou que a baixa granulação das fotos foi mais um "defeito especial".
Aliás, "Defeitos Especiais" foi o primeiro nome a ser dado à bolacha de acrílico. Foi então que eu me lembrei da canção de Roberto e Erasmo, gravada soberbamente por Agnaldo Timóteo e, para manter o trocadilho, eu mudei para o que ficou, "Os Brotos Também Amam".
Os discos foram reproduzidos em meu estúdio e as capas e rótulos impressas em minha copiadora. Na noite em que ficou pronto, levamos direto algumas unidades para o bar Jeca Total. O garçom, ávido, pegou um exemplar e colocou para tocar. Naquela noite vendemos mais de 50 cópias do disco. Foi a nossa "noite de autógrafos", embora, como feirense não paga pau para outro feirense, não autografamos nenhum.
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