Pular para o conteúdo principal

A HISTÓRIA DA LP & OS COMPACTOS PARTE XIII - OH YEAH.

Ainda faríamos alguns grandes shows com Ítalo na bateria. Com o sucesso das apresentações no Antiquário, às quintas, fomos convidados por Eudes, dono do bar Jeca Total, .para um desafio ainda maior. O bar funcionava todos os dias exceto às segundas feiras, mas na quarta, Eudes abria o estabelecimento por abrir, apenas por não ter nada melhor a fazer em casa. Casa que, aliás, ficava localizada em seu próprio bar. Ou o bar ficava em sua casa, dependendo do ponto de vista.

Foi então que tivemos a ideia de aproveitar o horário sem movimento e fazer, semanalmente e indefinidamente, um evento a que chamamos de Quartas Regressivas. O repertório do primeiro disco já havia enchido o nosso saco, ainda não havia nada do que viria a ser o set list do segundo e, no mais, adorávamos tocar  aquelas covers aprendidas para as apresentações no Antiquário. E, afinal, porque não levar um pouco mais de cultura para este povo?

Assim,  ensaiamos  novamente as canções dos Troggs e de todos aqueles artistas dos anos 60, acrescentando sons dos Ramones, da Gang 90, dos Miquinhos, Ultraje e muitos outros. Não tocávamos nada que fosse posterior a 1990  com uma honrosa exceção: Hey Ya, que, então, era sucesso da banda Outkast. 

As quartas regressivas entupiram o Jeca Total de gente. Não era um lugar grande, é verdade, mas faltou espaço para quem quis assistir os shows. Quarta era dia de jogo na TV mas isto não importava muito. Alguém sempre levava uma televisão e, volta e meia, saia um grito de gol entre uma música e outra.

As quartas regressivas foram uma verdadeira escola para a banda. Tínhamos um repertório "coringa" para ser usado naqueles shows autorais em que nada mais funcionava e melhoramos muito como músicos.

Um capítulo à parte eram as covers que fazíamos apenas  por diversão e que só eram tocadas nos ensaios. Uma delas era "Baba Baby", de Kelly Key, cantada marotamente pelo pequeno Josias. Também havia uma versão muito particular de "Festa no Apê" de Latino, na verdade um decalque do funqueiro de um hit de uma banda de rock romena. Zé caprichava na canastrice e na voz grave em uma versão disco-retrô do hit. No refrão, nós cantávamos: "Vai ter festa no apê de Zé / Não vai dar mulher / Você sabe como é". E repetíamos o refrão com Zé completando, com voz grave, ao final: "Tem piroca até o amanhecer". Eu implorei para incluirmos isso no show mas Zé  não teve bolas o suficiente para cantar assim ao vivo.

Outro tema que ensaiamos para as Quartas Regressivas, era a primeira canção que eu fiz, aos 9 anos, sendo que a letra era de Paulo Nelli - aquele que substituiu Zé por duas semanas - embora Nelli não assuma a parcela de culpa até hoje. O "Rock da Chouriça", um hardcore com uma letra bobíssima, era introduzida por uma paródia do hit "Muito Prazer", de Zezé Motta, que dizia assim: "Muito prazer, meu nome é Zé / Sou 99% chimpanzé". Já esta, a da Chouriça, desgraçadamente, nós chegamos a tocar ao vivo. Uma lembrança vívida deste tempo é o hábito de Ítalo apelidar as canções com versões deturpadas das primeiras frases das letras. Foi assim que "Love All Around" dos Troggs se tornou "Fingers on My Fingers" e "Hey Ya!" virou "Arreia".

Enquanto isto, a relação com nosso batera se desgastava ainda mais. Ele começou a faltar propositalmente em alguns ensaios e mostrar claramente desinteresse em continuar, embora não nos deixasse isto suficiente claro para pensar seriamente em substitui-lo. Ou nós que não queríamos perdê-lo, já que havia se tornado um excelente músico durante o tempo em que tocou conosco. Por outro lado, uma notícia caiu como uma banda na bomba. Aliás, uma bomba na banda. Josias, o menino prodígio, a figura que despertava o interesse no grupo pelo pouco tamanho, pouca idade aparente e grande habilidade musical, deixava a LP & os Compactos. Seu pai seria transferido para outra cidade e tínhamos apenas mais algumas semanas com o nosso mascote guitarreiro. Lembro do pai de Josias ter se mudado e o pequeno guitarman ainda ter ficado em Feira, hospedado na casa da tia, para cumprir as "obrigações contratuais" com a banda. Grande Josias.

Tivemos que dar um tempo na procura por um baterista e tentar achar um guitarrista. Na verdade, a procura inicial era por um baixista. Stephen nunca quis de verdade o posto de bass man e aquela era a oportunidade de ouro para trocar de instrumento. Mas como ele passou a ser conhecido como o "Flea de Feira", ele acabou preferindo continuar no contrabaixo.

Zé trouxe um amigo que há muito tempo já manifestara o desejo de fazer parte da LP. Chamava-se Sidarta Gautama mas nem que se chamasse Jesus Cristo conseguiria substituir Josias a contento. Nada contra a habilidade do novo guitarrista, muito pelo contrário. É que Josias não era apenas um músico, era uma referência na sonoridade da banda. Como a saída do pequeno guitarrista era favas contadas, achei melhor preparar o público. Dali em diante, os nossos shows teriam duas partes, uma com Josias e outra com o novo guitarrista. Foi então, percebendo a pegada grunge do novo deus das seis cordas que eu comecei a compor as músicas que fariam parte do segundo disco.

Estas músicas teriam que ser e soar diferentes. Não havia mais espaço para o "Baby Look", para o rockabilly deslavado e bobinho de antes. O novo guitarrista não conseguia tirar os solinhos básicos, porém eficientes, de Josias - o que já era esperado -  e eu percebi que teríamos que promover uma verdadeira reforma na sonoridade da LP se quiséssemos continuar seguindo em frente.

Fizemos um show de despedida para Josias no Jeca Total que, mais uma vez, encheu o local de gente. Desta vez, Sidarta, o novo guitarrista, excepcionalmente, não tocou. A festa era para o "maior anão do mundo" como o chamávamos no bullying inofensivo das nossas piadas internas, a partir de agora não tão internas assim. Neste show, Josias realizou o seu maior sonho: Tocou e cantou "Oh Yeah", sua única composição até então, que sempre fora unanimamente recusada pelo resto da banda. Era um blues  cheio de paradinhas onde ele empostava a voz aguda que ficava um pouco mais grave (ou menos aguda) e dizia" Oh Yeah". Pois é, oh yeah, Jô Santiago.

"Oh Yeah", para o delírio josiático, foi a  canção mais aplaudida daquela noite. Josias foi embora para Xique Xique, no interior da Bahia. Lá, já tendo aprendido os "paranauês", arregimentou rockers xique-xiquenses e batizou sua nova banda de Xique Xique Nervoso. A LP continuou aqui em Feira buscando a sua nova sonoridade. Mas ali, naquele show de despedida de Josias, algo se descolou definitivamente e não tinha nenhuma relação com o nosso batera problemático. Se tivéssemos terminado ali, terminaríamos na mais completa glória. Mas não foi isso que aconteceu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic

Terra de Anões

Eu hoje estava ouvindo no meu smartphone, enquanto caminhava, aquela música dos Engenheiros do Hawaii chamada "Terra de Gigantes" em que um dos versos afirma que "a juventude era uma banda em uma propaganda de refrigerantes". Criticava-se a alienação dos jovens. E a maioria de nós éramos os jovens, por sinal. Mas o que tínhamos? Tínhamos internet? Tínhamos Google? Tínhamos acesso quase que instantâneo a toda a história da humanidade, a que passara e a que estávamos vivendo? Que culpa tínhamos de sermos alienados se não tínhamos a informação? Pois é, não tínhamos nada. E, ainda assim, éramos a banda na propaganda de refrigerantes. Como também disse o mesmo compositor, éramos o que poderíamos ser. Pelo menos, errados ou certos, éramos a banda. E hoje, com toda a informação em suas mãos, o que os jovens se tornaram? Se tornaram um bando em uma propaganda de refrigerantes. Gente que se deixa iludir por truques "nível fanta" em vez de tentar consumir

NOS TEMPOS DA BRILHANTINA.

      T em filme que envelhece bem, permanecendo um clássico muito tempo após ser lançado, ainda que seja, ao menos a princípio, datado. Um exemplo é o filme Blues Brothers ("Os Irmãos Cara-de-Pau").  Lançado para capitalizar o sucesso do quadro de Jim Belushi e Dan Akroyd no programa Saturday Night Live , a película acabou alcançando dimensões muito maiores do que a originalmente planejada, se tornando um sucesso mundial e provocando um renascimento (ou surgimento) do interesse pelo rhythm and blues e pela soul music entre os jovens e apreciadores de música em geral. O utros são tão oportunistas - ou aparentam ser - que, desde o lançamento, são considerados lixo,  trash-movies . Muito criticados no momento em que ganharam as telas dos cinemas, adquirem respeito e alguma condescendência com o passar dos anos. O exemplo ideal deste tipo de filme seria Saturday Night Fever , o nosso "Embalos de sábado à noite". Revisto hoje em dia, seu simplismo e aparênc