Eu não me lembro bem de como foi e qual foi o último show com Ítalo mas lembro muito bem de como encontramos Douglas Cerqueira e vimos nele o baterista ideal para substituir o nosso Pete Best baiano. Para variar, era mais um menino, que não tinha mais do que 14 anos na época. Stephen estava estudando em um colégio elitista da cidade e havia uma espécie de festival promovido pela instituição. Eu e Zé Mário fomos assistir ao festival pois Stephen iria se apresentar. Eis que, quando aquele garoto com cara de invocado e camiseta dos Ramones começou a tocar, vislumbramos nele a solução de todos os nossos problemas percussivos. Ledo engano. Mas esta é uma história para mais adiante.
Ítalo continuava a faltar ensaios. Um dia, fomos em comitiva até a sua casa e o comunicamos da sua dispensa. Ele não recebeu a notícia muito bem e por muitos anos ficamos sem nos falar, ou, ao menos, com as relações estremecidas. Um dia, anos depois, Ítalo apareceu no meu trabalho. Andou de um lado da outra na porta até ser notado e quando eu o vi, abriu aquele sorriso de personagem de histórias em quadrinhos, e sentamos para conversar bastante sobre tudo que aconteceu. Ao final daquela tarde, ele me acompanhou até minha casa e tomamos café. Hoje somos amigos. Mas, na época, o fim do relacionamento deixou enormes arestas. Até porque a verdade é que ninguém queria Ítalo na banda naquele momento mas ninguém tinha coragem de dizer. Eu acabei fazendo todo o trabalho sujo.
Mas, enfim, estava feito. Para marcar a entrada de Douglas na banda eu redesenhei uma canção do primeiro disco chamada "Pior Sem Ela". Na versão original era um rock decalcado de "I Got A Woman", standard originalmente interpretado por vários nomes do rock and roll. Além de não estarmos mais na vibe do rockabilly, um artista local havia gravado uma versão que não me agradara muito. Não pela qualidade da versão em si, nem pela sua interpretação, até interessante, mas pelo fato de que ele limou uma parte da letra sem sequer ter falado comigo. E como eu já não gostava mesmo da primeira versão, refiz tudo.
Curiosamente, na nova versão, não havia justamente a parte que ele havia retirado, quase sendo um atestado meu de que aquele pedaço da letra realmente não tinha ficado legal. Modificamos tanto "Pior Sem Ela" que só sobrou da antiga versão parte da letra. Criei um arranjo psicodélico inspirado em uma canção da obscura banda norte-americana Plan 9 e uma levada de guitarra que permeava a faixa inteira. "Pior Sem Ela II" marcou a chegada de Douglas às baquetas e estreamos ela e ele em um show em Salvador tocando justamente com a banda do referido artista modificador de letra alheia. Sem rancores, o artista é meu grande amigo até hoje.
Para aquele show levamos inúmeras cópias de discos e até a mãe de Stephen, minha mulher à época, foi junto para ficar em uma banquinha vendendo as bolachinhas. O valor era R$5,00 mas Zé Mário disse ao microfone que era R$15 e não adiantou que eu lhe falasse para corrigir e dizer o preço certo. Tive que eu mesmo ir até o microfone. Mas o estrago já estava feito e saímos dali com apenas um disco vendido, a cinco pilas, isto porque a compradora reclamou do preço alto e foi alertada por minha esposa que o preço real não era aquele dito ao microfone por Zé.
Foi mais um show em que Zé fez uso de gasolina aditivada antes da apresentação. Ele errou letras, confundiu canções, deu cavalo de pau no palco, empinou de uma roda só e tropeçou no pedestal do microfone. Ao final, lhe comuniquei que eu estava fora da banda. Ele disse que estava muito alto para discutir isso e que iria ficar em Salvador com os colegas de experiências automobilísticas e que conversaríamos na segunda.
Zé passou uma semana sumido, sem dar nenhuma notícia. Faltou a dois ensaios seguidos e eu, com muita raiva, fiz uma canção desabafo chamada Rock Da Overdose. A letra falava de um eterno adolescente que não desistiria de adolescer até morrer por abuso de combustível batizado. Era uma forma de por para fora toda a minha raiva de Zé e ainda permanecer na banda. No primeiro ensaio após o seu retorno, cantei a faixa-desagravo imaginando que ele ficaria muito puto com ela.
Para minha mais completa surpresa - ou não - ele adorou. Pediu que eu ampliasse a letra e que iriamos tocar no ensaio seguinte. Até hoje há quem jure que o personagem de "Rock Da Overdose" é Zé Mário. Sim, eles estão certos.
Comentários