O lendário rocker não foi o único que vestiu a carapuça da polêmica canção. Outro que se sentiu ofendido foi nosso produtor Gutão. No momento em que a canção foi criada, Guta vivia sozinho, contando apenas com a companhia de sua inseparável cadela Layla, abandonado pela mulher. E havia justamente um verso em que eu falava em viver só com seu cachorro ao chegar aos 50 anos, a idade de Gutão naquele momento. O produtor se irritou, me disse algumas verdades e outras ele desabafou com amigos em comum e chegou aos meus ouvidos. Bem, ele tinha razão. O verso foi inspirado nele mesmo. Mas, na época, eu neguei. Porém, o único em quem eu realmente não me inspirei foi o lendário rocker, vítima da trollagem de Zé Mário. Guta costumava dizer que eu esqueci de me ver na letra. Equívoco da parte dele. "Rock da Overdose" falava de mim também.
Zé Mário estava verdadeiramente encantado com o que ele mesmo chamava de "minha melô", o seu "Rock Da Overdose". Mas não deixou de aprontar. Convidou um amigo para assistir um ensaio - uma lendária figura do rock local - e disse para ele que eu tinha feito uma música em sua homenagem. O artista foi para o ensaio, todo pimpão, esperando uma letra que o enchesse de elogios e encontrou um texto ácido e irônico. Saiu do ensaio me xingando e querendo brigar comigo e eu, nem ao menos, sabia a razão. Quando a lenda viva do rock feirense se foi, o nosso vocalista nos contou, aos risos, que disse ao rocker que eu havia feito "Rock da Overdose" como uma homenagem a ele.
Mas não há nada ruim que não possa piorar. Pouco depois da visita dele eu resolvi incluir uma intro hard rock no tal rock da overdose. O show em que a música seria tocada pela primeira vez ocorreria na UEFS, a universidade estadual local, em uma apresentação conjunta justamente com a banda do tal amigo de Zé, o lendário roqueiro. Eles tocaram primeiro e, para o meu mais completo horror, uma de suas novas canções - que eu nunca havia ouvido antes - tinha a mesmíssima introdução recém criada de Rock da Overdose. Logo após a sua apresentação, procurei o rocker, desfiz o mal entendido de que Rock da Overdose teria sido feita pra ele e aproveitei para lhe contar da coincidência das introduções e prometer que mudaria a intro da música, o que fiz logo no ensaio seguinte.
Também foi neste show que eu finalmente convenci Zé Mário a usar roupas femininas em uma apresentação. Ele já era meio parecido com David Johanssen - dos New York Dolls - e Mick Jagger em uma versão mais sertaneja, e eu queria aproveitar isso na sua presença de palco nos shows. Zé já estava vestido com uma blusinha de crochê da irmã, com decote em V e toda colorida, quando justamente o nosso amigo rocker da overdose o convenceu a trocar de roupa.
Com a mudança de guitarrista, e depois de baterista, eu percebi que a pegada da banda havia mudado definitivamente. Tudo havia ficado mais pesado, mais power pop e eu já estava pensando no repertório do que viria a ser nosso segundo disco. Já tínhamos algumas canções e passei a compor as novas, já com a debacle da nova formação em mente.
Foi este o período em que a banda estourou definitivamente dentro dos limites da cidade. Os shows passaram a encher e a gente notava um público novo, que não era mais composto de pais saudosos e filhos tentando agradá-los. A banda agora tinha uma plateia que curtia o som pelo som e não mais pelo fato de que havia uma "criança" na formação ou que éramos revivalistas.
Nesta época, eu gravava CDs personalizados e um cliente havia encomendado um disco para ele mesmo, com as canções escolhidas pela namorada, a ser dado de presente por ela no dia dos namorados. Segundo ele, ela alegou que não tinha tempo e ele estava ali, preparando seu presente "para si mesmo". O repertório daquele CD personalizado parecia um conjunto de indiretas em que ela deixava claro para ele que não o queria mais, mas ele estava muito feliz em preparar seu próprio presente de Dia dos Namorados para perceber isto. Em tempo, o tal namorado é um dos grandes guitarristas da cidade, tendo tocado profissionalmente com grandes nomes da cena local. Mas nem adianta os curiosos me perguntarem em off quem é, porque deste ser, a identidade vou manter segredo. Mas quem quiser ver uma foto dele, que pesquise "Ankole" no Google.
Um outro cliente assistia, abismado, a falta de noção do rapaz e quando ele saiu, o cliente disse assim: - Eu sabia que o amor era cego, mas que é surdo eu estou sabendo só agora. Naquela noite eu fiz uma canção chamada "O Amor é Surdo" sobre um casal de roqueiros com gostos absolutamente diferentes mas que se davam bem. As inspirações, absolutamente não românticas e sim pela postura rock and roll feminina que adoro nelas, foram - além do bovino guitarman, claro - a amiga vocalista da banda goiana Resistentes, Lorena Dallara, e Tia Beck, uma "tia" postiça roqueira, bem mais nova que eu, e que me introduziu sem camisinha nas redes sociais me dando um convite para o saudoso Orkut Foi o ponto de partida para preparar todo o resto do repertório do que viria a se tornar o conhecido disco de mesmo nome, considerado por muita gente boa como o nosso melhor trabalho..
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