Eu adoraria morar em Bucareste, falar romeno, beijar as belas romenas e andar pelas ruas largas e extensas dos setores populares da periferia daquela cidade com a camisa toda suja de batom. Não seria nada difícil me sentir em casa por lá. Da mesma forma, não seria nada mal viver no Porto, ou até mesmo em Braga, ou ainda em uma freguesia simpática como Carvalhal e me considerar, para sempre, um cidadão lusitano. Poderia também morar em Glendale, por exemplo, a aprazível cidade californiana entupida de imigrantes.
Sem sair do Brasil, eu poderia me instalar confortavelmente em São Paulo, São Vicente, São Leopoldo ou qualquer outra cidade de santo ou santa que aparecesse e logo estaria completamente adaptado àquele local. Quem não gostaria de viver entre as ladeiras de Olinda e respirar a cultura que só aquela cidade pode oferecer? Enfim, sei que me sentiria facilmente em casa em qualquer destes lugares onde já morei, passei algum tempo, visitei ou apenas gostaria de morar.
Mas a questão do que me prende irrevogavelmente à cidade onde eu nasci e me criei, é alguma coisa de muito mais profunda do que a adaptação a este ou aquele lugar. A cidade, no meu caso, é a metrópole absolutamente comum chamada Feira de Santana, a segunda cidade do estado da Bahia e uma localidade sem maiores qualidades que a fizessem se sobressair dos mais de 5000 municípios do Brasil.
Acontece que eu nasci em Feira de Santana e nenhum outro local do mundo poderá substituir a cidade neste quesito. Eu teria que nascer de novo, desta vez em Olinda ou Glendale, para que, ao menos um dia, eu me sentisse parte irrevogável da paisagem destes novos lugares.
Na canção que dá título ao seu excelente álbum Coração Paulista, o músico Guilherme Arantes destila alguns versos ácidos em homenagem à sua cidade natal, São Paulo, e se questiona sobre o que é que o faz se sentir preso à ela. Independente do fato do artista viver hoje como um respeitável proprietário de pousada na Praia do Conde, na Bahia, a minha relação com a minha cidade é muito parecida com a dele: Não sei bem o que me prende aqui, mas, é certo que algo realmente me prende.
Talvez seja a minha história gravada nos sulcos virgens da minha própria existência. Cada rua da cidade evoca uma lembrança, um fato, um viver cotidiano passado. Tal lembrança estará gravada em minha mente até o final dos meus dias. Talvez seja a segurança de poder andar por estas ruas e poder chamá-las de realmente minhas.
Como eu poderia andar por qualquer outra rua, de qualquer outra cidade, do Brasil ou de qualquer outro país, e poder chamá-la de "minha rua"? Estaria passando eternamente pelas ruas alheias, sendo um eterno estrangeiro expatriado, Não, isto não é vida para mim.
Não morro de amores pelo povo daqui da minha terra. Gostaria de viver em um lugar onde se ouvisse menos tanta música ruim e alta demais nos fins de semana. Onde meus conterrâneos fossem mais civilizados no trânsito e sujassem menos as ruas que, além de minhas, são na verdade, de todos nós.
Onde eu pudesse ter mais opções de acesso à cultura que não bares e exposições de gado. Onde, enfim, eu pudesse viver cercado de um mínimo de civilidade. Mas minha relação é com a terra, com o grão de poeira que se levanta das ruas. E essa relação sinergética nenhum outro lugar do mundo poderá me dar.
Onde eu pudesse ter mais opções de acesso à cultura que não bares e exposições de gado. Onde, enfim, eu pudesse viver cercado de um mínimo de civilidade. Mas minha relação é com a terra, com o grão de poeira que se levanta das ruas. E essa relação sinergética nenhum outro lugar do mundo poderá me dar.
Comentários