Eu não sou saudosista. Sinto muito. Não troco minha câmera fotográfica de 13 mega-pixels, embutida no meu smartphone, por uma câmera digital comum com a mesma configuração, quanto mais por uma daquelas tranqueiras analógicas nas quais se colocavam rolos de filmes e as fotos só eram visualizadas quando eram reveladas. Da mesma forma, não trocarei jamais meus arquivos flac e ogg dos meus discos preferidos, - todos catalogados e salvos em meus dois PCs, o de casa e o do trabalho, em dois HDs externos, e muito bem guardados em nuvem, para a eventualidade de serem perdidos - por um arquivo jurássico de mp3 em 128kps, quanto mais por CDs e LPs.
Respeito imensamente quem pensa diferente de mim e prefere acumular pedaços de acrílico e vinil em casa a ter seus arquivos de música à mão, seja no carro, casa ou trabalho. Aliás, de fato, uma escolha não inviabiliza a outra. É perfeitamente possível conjugar as duas possibilidades. O audiófilo Ed Motta já disse uma vez que também ouve arquivos digitais, não abrindo mão da portabilidade da mp3 e congêneres. Além do mais, cada um ouve música como bem entende. Eu ouço digitalmente, outros preferem lps e compactos e damos todos graças a Deus por termos o direito de escolher. O que me chateia mesmo é ter que sempre ouvir bobagens do tipo "LPs têm um som melhor do que os de CD ou mp3".
Não é que Lps não possam ter qualidade de som superior aos CDs e mp3. Até podem, em circunstâncias específicas. Se você tem à mão um álbum fabricado com vinil de excelente qualidade, com peso de 180g, novinho em folha, e o executa em um equipamento de qualidade idem, e vai compará-lo a um CD mal remasterizado ou uma mp3 de 128kps, tocado em uma aparelhagem modesta, é óbvio que o LP apresentará uma melhor qualidade sonora.
Acontece que os LPs fabricados no Brasil, na época áurea do vinil, em sua imensa maioria eram de 120g. Em alguns momentos, chegou-se a fabricar discos com até 90g de peso, aqueles bem fininhos, que pareciam querer dobrar-se ao meio com facilidade. Também, era muito comum que o material dos discos encalhados e devolvidos fosse reaproveitado na fabricação de novas bolachas, o que, certamente, não comprometia a qualidade de som do material reciclado, mas, como brasileiro será sempre brasileiro, os fabricantes "se esqueciam" de separar o "miolo" do disco, onde ficava o selo de papel e trituravam tudo junto. O resultado eram discos novinhos em folha com maravilhosos estalos e pipocos de fábrica.
Para piorar, os discos de vinil fabricados hoje em dia, em sua maioria, são prensados a partir de cópias em CD. Ou seja, o que o discófilo está comprando, e pagando bem caro, nestes casos, não passa de uma versão em LP de um CD. E se a questão são os tais graves "achatados" (facilmente corrigidos hoje por qualquer botão "loudness" que todo equipamento vagabundo tem,), eles continuam lá, ainda mais achatados.
Que o LP tem mágica e mistérios envolvidos, isto também é óbvio. Quem ouve um disco de vinil não se contenta apenas com a experiência de ouvi-lo. Ele quer "tocar" a música, expirar os graves e inspirar os agudos. Bolachas pretas, certamente, não servem para quem ouve música correndo, andando, trabalhando ou, como no meu caso, atualizando um blog. A experiência de ouvir um disco de vinil é mesmo muito próxima de uma experiência religiosa. Acontece que, nestes casos, eu sou ateu.
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