Pular para o conteúdo principal

Dr. Montrose e Mr. Halen


Muita gente boa nunca conseguiu entender porquê Sammy Hagar, logo ele, foi escalado como vocalista substituto de David Lee Roth, quando este saiu do Van Halen em 1985. Parecia que apenas o fato de que os dois vocalistas não conseguiriam permanecer no mesmo ambiente por mais de cinco minutos foi o único fator que pesou na escolha feita pessoalmente por Eddie Van Halen. Afinal Lee Roth e Eddie estavam literalmente em pé de guerra quando David saiu da banda. Mas não é bem assim.

Ser o clone de um outro grupo, no universo do rock, não é, e nunca foi, nada demais. Os Beatles, eles mesmos, copiavam descaradamente um grupo conterrâneo, Gerry And The Pacemakers, no início da carreira. O Van Halen, e seu auto denominado big rock, sempre foi uma versão mais apurada de um dos grupos mais injustiçados do rock, o Montrose. As semelhanças são, digamos, "montruosas" (desculpem o imperdoável trocadilho). Em primeiríssimo lugar, o nome. Antes do guitarrista Ronnie Montrose ter batizado a sua banda com o próprio sobrenome, ninguém havia tido essa brilhante ideia (se alguém lembrar de outra, que me avise). A associação é imediata: Guitarristas + sobrenomes, Montrose=Van Halen. Uma audição mais atenta do primeiro disco do Montrose, de 1973, pode deixar embasbacado o mais febril fã do VH.

Todas as características marcantes da banda do guitarrista ianque-holandês estão lá. A bateria gravada "solta", os efeitos mirabolantes da guitarra de Ronnie Montrose, simulando, entre outras coisas, acelerações de motocicletas; que viriam a ser copiados e melhorados por Edward Van Halen, e até o mesmo produtor, Ted Templeman. Além disto tudo, e isso é o que mais choca o desavisado fã, a voz de ninguém menos que Sammy Hagar, muito mais próxima à voz de David Lee Roth (que, na verdade, é justamente o contrário) do que em sua quase inexpressiva carreira-solo. Subentende-se que as rusgas de Hagar e Roth podem ter como fundamento alguma acusação por parte do primeiro de imitação pura e simples.

Não que isso desmereça o Van Halen, até porque o grupo soube se desvencilhar, pelo menos enquanto Lee Roth permaneceu na banda, de ser uma pálida xerox do Montrose. Muitas características do som da banda de Ronnie Montrose passam distante do som do grupo de Edward. Enquanto um, o Montrose, ia fundo no blues branco, pesado e monocórdico, o Van Halen tinha um inegável talento para fazer canções com refrões pop ganchudos e covers surpreendentes e que desbancavam os originais. 

Além do mais, queira-se ou não, Edward Van Halen é muitíssimo mais criativo que Ronnie Montrose, falecido precocemente em 2012. Mas tudo isto foi por água abaixo no dia em que Sammy Hagar entrou para o Van Halen. Ficou óbvia a vontade de Edward de emular o som da antiga banda de Hagar. Os discos do grupo pareciam cada vez mais com uma continuação piorada da carreira do Montrose. Uma maneira inegavelmente inteligente de jogar uma reputação no lixo. A entrada de Gary Cherome, vocalista do Extreme, que nem sequer está para o Van Halen como o próprio estava para o Montrose, foi só uma confirmação da chegada ao fundo do poço.

Por outro lado, não dá para diminuir a importância do Montrose para o rock mundial. Precursores do estilo de heavy-metal que viria a ser conhecido pejorativamente como "farofa", o disco de estréia é totalmente diferente de qualquer coisa feita à época. Da voz límpida e afinada de Hagar às travessuras de Ronnie na guitarra, tudo era novidade neste disco lançado há 42 anos. Rockões como Bad Motor ScooterRock The Nation e Rock Candy são a tônica deste verdadeiro esporro de rock and roll, cru e virulento, sem nenhuma sombra de concessão ao pop. Básico tanto para fãs e não-fãs do Van Halen.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

LEMBRANÇAS DE WILSON EMÍDIO.

E sta é uma história sobre rock e amizade. Não importa muito se você nunca ouviu falar de  Wilson Emídio.  Certamente, se você gosta das duas ou de uma das coisas - rock e fazer amigos - , você vai gostar do que vai ler aqui. E m 1984, eu tinha uma banda de rock chamada Censura Prévia. Ensaiávamos na sala de estar de minha casa, assim como os Talking Heads ensaiavam na sala de estar do David Byrne no início da carreira. Tanto que, ao ver aquelas fotos do disco duplo ao vivo da banda  nova-iorquina,  me remeto imediatamente àqueles tempos. E, por mais incrível que possa parecer, nós tínhamos duas fãs. Eram duas vizinhas que não perdiam um ensaio, sentadas no sofá enquanto se balançavam, fazendo coreografias, rindo muito e tomando refrigerante. Um dia elas resolveram criar  um fã-clube para o nosso conjunto amador. Na verdade, elas mandaram uma carta para a revista Rock Stars,   uma publicação de quinta categoria, mas baratinha e acessível aos quebrados ...

Deus prefere os ateus.

N ão sou ateu. Até já pensei que era, mas não, realmente, eu não sou. Isto não me faz melhor ou pior do que ninguém, mas eu realmente acredito em um Deus Criador. Bem que eu tentei ser ateu, mas a minha fé inexplicável em alguma coisa transcendental nunca me permitiu sê-lo. Também não sou um religioso, eu sou apenas um crente, ainda que tal palavra remeta a um significado que se tornou bastante negativo com o passar do tempo. Q uando falo aqui em ateu não falo daqueles ateus empedernidos, que vivem vociferando contra Deus, confundindo-o de propósito com o sistema religioso que O diz representar. Estes são até mais religiosos que os próprios religiosos, ansiosos de que convencerem os outros, e a si mesmo, de que um Deus não existe. Quando menciono os ateus a quem o Divino prefere, eu me refiro àquele tipo de pessoa que não se importa muito se Deus existe ou não, mas, geralmente, são gentis, solícitos, generosos, éticos e muito mais honestos que muitos religiosos. E u bem que tent...