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O plágio e Raul Seixas: Uma relação broxante.

O plágio só não é mais antigo que a criação. Até porque, se surgisse antes da criação, a própria criação já seria, por si só, um plágio. Não entendeu? Acostume-se. Na música pop, o plágio – e por plágio, aqui, entenda-se qualquer intenção de copiar qualquer parte de uma canção – é quase uma obrigação. Então, não estou aqui a me fazer de moralista, defensor da criação totalmente original, até porque ela, a criação pura, simplesmente não existe.

Eu mesmo, em minhas composições musicais, já surrupiei trechos de outras canções para  fazer uma terceira, novinha em folha. E, provavelmente, de quem eu “roubei”, este já havia igualmente roubado de outro compositor.  A música pop é assim, derivativa por natureza, ou seja, nela, uma coisa deriva da outra, e foi este processo natural de antropofagia cultural é que a fez sobreviver estes anos todos.

Mas existe um limite, aliás, existem dois, para determinar o que pode ser chamado de uso natural de trechos de uma canção para se fazer outra,  e o plágio, este ato passível de processo criminal. Por lei, bastam seis compassos idênticos para que uma música possa ser considerada cópia da outra e um autor copiado ter seus direitos garantidos. É um entendimento legal praticamente universal.


Não é  uma regra justa, aliás trata-se de uma norma muito rígida, que pode fazer com que muitas canções apenas parecidas umas com as outras – afinal são apenas sete notas na escala musical – sofram uma acusação inconsistente de tentativa de cópia. Aconteceu com  o hit mundial Feelings, composição do brasileiro Morris Albert,  que depois de décadas,  sofreu um processo de plágio por conta de poucas notas semelhantes com uma obscura canção de um compositor francês.

Mas existe uma outra situação, que vai muito além do plágio. É quando um artista copia completamente uma canção, inclusive incluindo  o arranjo original. Se a cópia se dá em outra língua, pode-se até afirmar que se trata de uma “versão”, mas quando não há nenhum crédito para o autor do original, trata-se de um caso de apropriação indevida da obra alheia.


Gene Clark
Eu confesso que Raul Seixas não é um dos meus artistas preferidos. Acho Raul pobre demais musicalmente para ser tão idolatrado, messiânico demais, confuso demais, indeciso demais, e confesso ser completamente impaciente com artistas irregulares como o baiano.  Reconheço sua importância, é claro, mas Raul pouco frequenta minha “mp3teca”. E uma das suas canções que jamais saíram de minha lista de preferidas, aquelas que eu levaria para uma ilha deserta, é a faixa “Mas I Love You”, do disco Metrô Linha 743, um álbum irregular, feito para a Som Livre, onde a faixa citada é quase como um oásis em um deserto de canções ruins e ideias requentadas.

Por outro lado, Gene Clark, fundador dos Byrds, banda icônica dos anos 60,  e outro com uma carreira bastante irregular, sempre foi um dos meus heróis. Mas nunca havia encontrado um disco solo deste artista para chamar de “meu”. A carreira do norte-americano é marcada por discos inacabados, fitas-demo remasterizadas e álbuns póstumos. Foi então que resolvi pesquisar a fundo e encontrar um LP amarradinho para representar Clark em minha coleção. Foi então que me deparei com o absurdamente bom  “Roadmaster”, de 1973.


A resenha do disco de Gene Clark vai ficar para outra ocasião, em um texto futuro da série  “Educação Artística”, mas confesso jamais esperar encontrar “Mas I Love You” ali, todinha, nota por nota, com o mesmíssimo arranjo, na forma da canção “Here Tonight”, do disco de Clark. Não, Raul não fez uma versão, eu tive o disco Metrô Linha 743 e lá está grafado como autores, ele e o parceiro Rick Ferreira. Raul simplesmente se apropriou de algo que não era seu.

Por muitos anos, “Mas I Love You” foi a minha preferida da obra do roqueiro baiano. Agora, não é mais. Me  sinto profundamente desapontado com o meu conterrâneo.  Sei que não é seu primeiro plágio, mas dane-se! Pelo menos das outras vezes ele plagiou o que eu não gostava. Fica o gosto amargo de ter sido enganado todos estes anos. Agora, por mera coincidência, a minha preferida de Raul é “Judas” do disco Mata Virgem. Espero não descobrir qualquer dia destes que se trata de mais uma marotagem do maluco beleza.











Comentários

Fabio disse…
Judas é uma versão de Greenback Dollar de Hoyt Axton

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