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Mudança de comportamento - As bandas que mudaram de estilo - Parte II

Imaginem um grupo de música negra, de funk e famoso, como por exemplo, o Kool & The Gang,  que resolve mudar a direção musical  sei lá, para a bossa-nova ou para o reggae. Ou um grupo de reggae se transmutando, quem sabe,  em uma banda de funk. Pois é, é quase impossível que algo assim aconteça. A não ser que a banda em questão seja uma banda de rock.  Aí, tudo é possível e só o céu é o limite para tanta indecisão. Sou gótico ou sou headbanger? Punk ou bossa-novista? Sou new-waver ou salseiro de quinta? É sobre as mudanças "inacreditáveis" que algumas de nossas mais prestigiosas bandas já passaram , que vamos tratar aqui.


HOT SPACE - Queen (1982) - O Queen era a banda mais previsível do mundo em seus primeiros discos. Em um certo momento, resolveu misturar seu hard rock semi-progressivo com ópera até que no alvorecer da década de 80, lançou o primoroso e pop The Game, com funk (Another One Bites The Dust, com uma levada clássica de baixo que inspiraria Michael Jackson a compor "Billy Jean"), rockabilly (Crazy Little Thing Called Love) e o Queen de sempre, apenas com um tempero um pouquinho mais pop.

Então, John Deacon e Freddie Mercury viajaram na maionese, resolveram aprofundar suas experiências com dance music e lançaram o interessante, mas muito esquisito, Hot Space. Lembro até hoje da minha diversão com o desespero de um amigo muitíssimo fã do Queen, ao ouvir a balançante Body Language pela primeira vez. 

E tome "Staying Power", funk entupido de metais; sonzinho new wave descarado em "Calling All Girls" (cortesia do baterista Roger Taylor) e dance-music moderninha em "Back Chat". O disco foi tão mal recebido pela crítica que dois meses após o lançamento, o Queen se apresentou no Saturday Night Live tocando uma música do lp anterior. 

As discordâncias entre os músicos à respeito da direção musical era tantas que, eles mesmos, acabaram renegando a obra. Eu, particularmente, gosto muito de Hot Space;  não é o melhor disco da banda, nem poderia ser, mas é um álbum muito interessante. E eles ainda iriam mais longe com o horrendamente pop A Kind Of Magic. Mas aí o público já estava se acostumando....

THE GIFT - The Jam (1982) - Quase que por último, mas não menos importante, o disco derradeiro do The Jam, de Paul Weller. O grupo começou como um trio punk e foi ficando um pouquinho mais pop a cada disco. Weller era um "mod", sessentista perdido na década seguinte, e seu interesse maior era mesmo o rock clássico e as sonoridades soul dos anos 60. 

Mas, seria um processo lento e, até mesmo, delicado. Até que em The Gift, disco de 1982, o sexto álbum da banda, Paul Weller escancarou de vez que queria virar soul-jazz-bossanovista. Os outros dois integrantes, o baixista Bruce Foxton, típico "rude boy" inglês, e o baterista Rick Buckler, não concordaram com a  mudança de estilo e a banda foi pro brejo. 
Em "The Gift" é visível, ou melhor, audível, a mudança de direção musical. Desde a funkeada "Precious" até o positive-soul entupido de Motown do hit "Town Called Malice".  O Jam ainda lançaria dois singles antes de acabar, com as músicas "Beat Surrender" e "The Bitterest Pil", muito mais próximos musicalmente da sua nova banda, o Style Council.


ELECTRIC - The Cult (1987) - Eu até já ia esquecendo da banda mãe de todas as bandas mutantes do planeta. O grupo inglês The Cult tem a duvidosa honra de nunca ter se repetido em dois discos. Se o primeirão, ainda sob o nome Southern Death Cult é gótico, o segundo é pós punk, o terceiro é hard-psicodélico, o quarto (este "Electric") é hard rock setentista, o quinto é farofa, o sexto é psicodélico setentista e o último (ufa!) é thrash-metal.   

Antes que alguém me xingue de carimbador maluco, rotulador de tudo, me redimo dizendo que fiz isto apenas pra demonstrar a "versatilidade" do grupo.

Electric, curiosamente, seria o disco em que o The Cult, finalmente, se repetiria, pois, com o sucesso comercial de "Love",  eles não queriam arriscar nada. A ideia era de que o disco se chamasse "Peace", mas as gravações não saíram como o esperado e o material foi todo para o lixo. 

Convocaram o produtor  Rick Rubin, que estava em evidência naquele momento por ter produzido com sucesso discos de artistas de hip-hop a bandas de metal. O resultado foi um álbum energético e "elétrico", repleto de hard rock e que acabou contribuindo para a redescoberta das bandas setentista do estilo nas décadas seguintes.
(Parte I, aqui).

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