Pular para o conteúdo principal

Dos arquivos empoeirados: Wire - "Pink Flag" (1977)

O que é melhor? Ser detonado pela crítica especializada e ter um enorme sucesso de vendas como o Kiss ou se tornar o queridinho dos críticos e não receber nenhum tostão por isto? Evidentemente a primeira opção parece ser a melhor de todas. Dinheiro no bolso e o reconhecimento dos fãs parece sempre ser bem melhor do que agradar meia dúzia de jornalistas que adoram ser bajulados.

Mas, ainda que a maior parte dos artistas queridinhos da crítica não sejam tudo aquilo que os formadores de opinião dizem que são, alguns artistas foram profundamente injustiçados com vendas pífias de discos que se mostraram, com o passar do tempo, influenciadores de outros discos e artistas Estes outros sim, conseguiram algum alcance de vendas e equilíbrio entre sucesso popular e boa recepção por parte da imprensa especializada.

Quando Pink Flag saiu, em dezembro de 1977, o álbum de estreia da banda inglesa Wire parecia mesmo condenado a encalhar nas lojas. Contratados pela prestigiado selo Harvest Records, uma subsidiária da EMI especializada em rock progressivo, que entre seus contratados incluía nomes como Pink Floyd e Barclay James Harvest, o grupo parecia estar irremediavelmente perdido em um mundo onde a música acelerada e mal tocada era a única que tinha vez. Não que eles fosse exímios músicos, passavam bem distante disto, mas o punk rock desacelerado que praticavam e a indecisão entre ser uma banda experimental ou assumidamente pop, fizeram com que o público estranhasse bastante aquela novidade que chegava às lojas bem a tempo de ser o presente de natal do filhinho punk de roupas de couro e cabelo espetado.

A combinação de um número incomum de canções em um LP, 21, mais a pequena duração de cada uma delas, fez com que o disco resistisse nas lojas enquanto era saudado como a salvação do rock pelos críticos. Como quem lê o que crítico escreve, geralmente, são músicos, "Pink Flag" acertou em cheio o coração daqueles que, anos mais tarde, gravariam seus próprios discos e fariam versões das canções publicadas em "Pink flag".

O lado A abre com a climática "Reuters", um punk rock desacelerado que daria as direções futuras daquilo que chamaríamos "pós punk". "Field Days for Sundays" é comum e curtinha, excelente prólogo para o hit alternativo "Three Girl Rumba", que, anos depois viria a ser chupada pelo Elástica em "Connect". "Ex-Lion Tamer" dá início a uma sequencia de canções fortemente inspirada na sonoridade dos Stones. "Lowdown" segue o jeitão pós punk de "Reuters". "Start to move" é a primeira de  quatro pequenas canções tipicamente punk, seguida de "Brazil" - que não fala do nosso país, apesar do título - , "It's so obvious" e "Surgeon's Girl". "Pink Flag" descreve a construção de uma gigantesca estátua de Stálin, erigida em 1955 e destruída em 1962, em Praga,a na então Tchecoslováquia.
O lado B inicia com "The Commercial", instrumental, e segue com "Straigh Line" e a new wave "106 Beats That" . "Mr. Suit" é outra canção tipicamente punk. "Strange", por sua vez, é a mais pesada do disco. "Fragile" e "Mannequin" são, não só o melhor, mas também o momento mais pop do disco. Dois petardos stonianos para grudar na memória. "Different To Me" segue punk e curta como uma overture para "Champs". "Feeling Called Love" mostra que os Pixies e o Sonic Youth beberam muito mesmo na fonte do Wire. "12xU" é uma declaração de amor aos Ramones e encerra o lado 2 e o disco.

Wire continuou ininterruptamente na ativa até hoje, tendo acabado de lançar seu 14º álbum, intitulado apenas como "Wire" em abril de 2015. Teria suas canções regravadas por nomes como REM, Minor Threat, Lush, Guided By Voices e My Bloody Valentine. Robert Smith, vocalista e líder do The Cure, costuma afirmar que "Pink Flag" foi essencial para definir a sonoridade do seu primeiro disco.  O álbum de estreia da banda segue firme, quase 40 anos depois, influenciando artistas de todas as vertentes do rock, porém, sempre com as vendas minúsculas da qual jamais foi merecedor. Enfim, coisas do rock and roll.









Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic

Terra de Anões

Eu hoje estava ouvindo no meu smartphone, enquanto caminhava, aquela música dos Engenheiros do Hawaii chamada "Terra de Gigantes" em que um dos versos afirma que "a juventude era uma banda em uma propaganda de refrigerantes". Criticava-se a alienação dos jovens. E a maioria de nós éramos os jovens, por sinal. Mas o que tínhamos? Tínhamos internet? Tínhamos Google? Tínhamos acesso quase que instantâneo a toda a história da humanidade, a que passara e a que estávamos vivendo? Que culpa tínhamos de sermos alienados se não tínhamos a informação? Pois é, não tínhamos nada. E, ainda assim, éramos a banda na propaganda de refrigerantes. Como também disse o mesmo compositor, éramos o que poderíamos ser. Pelo menos, errados ou certos, éramos a banda. E hoje, com toda a informação em suas mãos, o que os jovens se tornaram? Se tornaram um bando em uma propaganda de refrigerantes. Gente que se deixa iludir por truques "nível fanta" em vez de tentar consumir

NOS TEMPOS DA BRILHANTINA.

      T em filme que envelhece bem, permanecendo um clássico muito tempo após ser lançado, ainda que seja, ao menos a princípio, datado. Um exemplo é o filme Blues Brothers ("Os Irmãos Cara-de-Pau").  Lançado para capitalizar o sucesso do quadro de Jim Belushi e Dan Akroyd no programa Saturday Night Live , a película acabou alcançando dimensões muito maiores do que a originalmente planejada, se tornando um sucesso mundial e provocando um renascimento (ou surgimento) do interesse pelo rhythm and blues e pela soul music entre os jovens e apreciadores de música em geral. O utros são tão oportunistas - ou aparentam ser - que, desde o lançamento, são considerados lixo,  trash-movies . Muito criticados no momento em que ganharam as telas dos cinemas, adquirem respeito e alguma condescendência com o passar dos anos. O exemplo ideal deste tipo de filme seria Saturday Night Fever , o nosso "Embalos de sábado à noite". Revisto hoje em dia, seu simplismo e aparênc