Quando Marcelo Nova tocou algo da banda punk californiana Dead Kennedys no seu programa Rock Special, lá pelos idos de 81, na Aratu FM, de Salvador. o então radialista usou e abusou da sua peculiar esperteza musical. Selecionou as canções mais palatáveis do álbum, deixando de fora os hardcores e os punk-rocks 4x4, se fixando nos, por assim dizer, "hits" do disco. A sequencia das que foram apresentadas naquela quarta, no Rock Special, ficou na minha memória afetiva durante anos: "Chemical Warfare", "California Uber Alles" e "Holiday In Cambodja". Marcelo Nova havia acertado quais eram as melhores do disco com precisão cirúrgica.
Durante anos, até o disco, surpreendentemente, sair no Brasil, em 1986, pela gravadora Continental, com vinil colorido branco e poster-encarte gigante, os fãs dos Dead Kennedys que estavam longe demais das capitais, apenas podiam imaginar como seriam as outras músicas de Fresh Fruits For Rotting Vegetables. Vivíamos a era pré-internet e, quem não morava no Rio ou São Paulo, simplesmente, só se atualizava quando - e se - visitasse estas duas cidades.
Quando eu pude ter em minhas mãos a bolacha de estréia da banda de Jello Biafra, confesso que senti uma ponta de decepção ao ouvir as faixas bem menos acessíveis que compunham o restante do disco. Exceto "Kill The Poor" e "Let's Linch The Landlord" e as que tocaram no Rock Special, tudo parecia pesado e pouco melodioso demais. Mas, enfim, eram os Kennedys - e já dizia Carlos Gerbase, dos Replicantes, "eles é que sabem o que é hardcore" - e não havia mesmo como se desfazer de uma preciosidade daquelas, ainda que eu quisesse. Mas, claro, eu não queria.
Os Dead Kennedys lançaram seu primeiro disco ainda em setembro de 1980 e chegaram à cena punk norte-americana causando todo escândalo e polêmica que podiam causar. O nome da banda, por si só, já era um insulto: "Kennedys mortos" fazia referência aos assassinatos de políticos da influente família Kennedy nos Estados Unidos. A foto da capa, por sua vez, foi retirada dos eventos que ficaram conhecidos como White Night Riots, revolta popular deflagrada a partir da morte do ativista gay Harvey Milk e do então prefeito de São Francisco, alguns meses antes do lançamento do lp.
"California Uber Alles", que abre o lado B, é um dos grandes momentos do punk rock em todos os tempos. "I Kill Children", "Stealing People's Mail", "Funland" e "Ill In The head, advinhem só, são mais quatro hardcore, engatados um no outro como os vagões de um trem desgovernado. O disco se encerra com "Holidays in Cambodja" e tem como "coda", a cover divertida do grupo para "Viva Las vegas", eternizada na voz de Elvis Presley e carregada de ironia na interpretação demente de Jello Biafra.
A banda seguiria em frente, porém com discos cada vez menos inspirados e inúmeras mudanças na formação, até que, um belo dia, os três integrantes originais resolvessem tomar o nome da banda para si, em uma disputa judicial. Desde então, o cantor e compositor Jello Biafra segue em carreira solo sendo, ele sozinho, os Kennedys mortos. Já a trinca que arrebatou o nome, ainda que sejam os mesmos que fizeram do disco de estreia o monólito musical que ele é, ainda assim não passam de apenas mortos, sem os Kennedys, que ficaram com o vocalista. Com a ingrata missão de substituir Jello Biafra, sobrou para um vocalista de apelido "skip", o posto de front-man destes Kennedys zumbis. Skip, em inglês, por ironia, significa "passe adiante". Pois é, eu passo.
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