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O outro dia dos pais.

Eu, hoje, tenho a exata idade que meu pai tinha quando ele morreu. Sendo mais específico, eu tenho, exatamente neste dia, a mesmíssima idade que ele tinha quando faleceu. Significa que hoje, às 11:01, eu terei um minuto de vida a mais que meu pai em toda a sua história.

Estranho que ele parecesse tão velho para mim naquele seu momento final de vida. Eu o enxergava como um idoso, como alguém incrivelmente distante da minha realidade juvenil de vida. Era como se eu jamais fosse alcançá-lo. Talvez por isto, me considere satisfeito com o que eu já vivi até aqui e acredite que, tudo  o que passar dos meus  50 anos, para mim, já será lucro.
49 anos, um mês e 16 dias. Isto foi tudo quanto durou a vida do meu pai.  Hoje eu completo exatamente o mesmo tempo de vida. Quando ele veio a falecer, estávamos estremecidos e afastados, mas ainda o encontrei com vida, no leito do hospital. Perguntei-lhe se estava bem, ele disse que sim, e não demorei muito naquela sala, pois não suportei vê-lo ali. Fiquei de retornar no dia seguinte, porém, ainda a caminho do hospital, soube que ele havia acabado de morrer.



O vi, verde hepatite, decorrência da cirrose, amarrado e nu no morgue, ou na "pedra", como eles chamam o local para onde vão todos os que morrem nos hospitais. Observei meu pai ser vestido com uma espécie de camisola branca para ser velado e acompanhei tudo com uma dureza pétrea. Parecia estar olhando para um completo estranho. Na capela do cemitério, com a inevitável certeza da perda, chorei como uma criança pequena que havia perdido a última esperança de ter um pai.


Eu não havia me dado conta até aquele momento, mas a criança que ainda habitava em mim, e que ainda esperava pelo pai que nunca teve, nunca mais teria um na vida. Teria que aprender a ser pai sem ter sido ensinado a ser filho. E a criança estava inconsolável, ainda que os meus 23 anos de idade não me credenciassem mais para tanto choro.

Hoje é dia 6 de novembro. Hoje eu completo exatamente a mesma idade que meu pai tinha quando morreu. Por uma estranha coincidência e também ironia do destino, hoje meu pai completaria 75 anos de idade se estivesse vivo. Não sei como seria a nossa convivência. Não sei se continuaríamos nos digladiando pela vida afora como fazíamos até a ocasião da sua morte. Mas tenho a certeza mais que absoluta que, sim, eu sinto muito a sua falta. 

Alguns anos depois de enterrar  o meu pai, consegui também enterrar a sua influência negativa em minha vida. Um dia, pensei firmemente nele e o perdoei. E, ainda mais importante, eu pedi perdão também. Coincidência, ou não, foi a partir deste momento que me tornei uma pessoa melhor, menos estressada, menos complicada, menos transtornada. Uma reconstrução que dura até hoje e que só irá terminar no dia em que for a minha vez de partir.

Meu filho havia acabado de nascer quando meu pai se foi. No dia 21 de dezembro de 1989, ele tinha apenas sete meses e onze dias de vida. Não foi muito tempo para que os dois se relacionassem, mas pude vislumbrar claramente que meu pai teria sido um avô melhor do que foi pai

Mas, então, um dia brigamos por uma bobagem qualquer e ele nunca mais viu o neto. Eu nunca mais vi meu pai. Naquela manhã, a quatro dias do natal, ele se foi. Se foi e deixou uma ferida que, hoje, com a maturidade e a idade de meu pai, posso perceber, eu mesmo abri e não sei fechar. Digo aos meus filhos, aos dois, ao que saiu de mim e ao que me adotou, que, ainda que achem eu esteja errado, jamais deixem de falar comigo. Porque não serei eu a levar a sensação de que algo ficou faltando para o túmulo. Eles é que terão que conviver com a tristeza de não ter dado um último abraço pelo resto da vida.

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