Cheguei em Bucareste, na Romênia, de madrugada, vindo de Lisboa, após seis horas de voo em um avião apertado da TAP. Pouco sabia a respeito daquele país, além de que a língua local era de origem latina e que a sua capital, onde eu iria passar as próximas duas semanas, havia sido fundada em 1459, por ninguém menos que Vlad Tepes, o Conde Drácula em pessoa. Não havia muito a me preocupar, é verdade. No Aeroporto estaria, e efetivamente estava, um taxista segurando uma plaquinha com meu nome, pronto a me levar para a casa alugada por meu tio e patrão, no setor 5, um dos mais pobres da cidade.
O trajeto, de pouco mais de 30 minutos, em uma cidade vazia e sem trânsito, até a modesta "Entrada" (assim os romenos chamam suas ruas sem saída) Polodeni, me revelou uma metrópole improvável, cuja distância entre a nobreza da chamada "Paris do Leste" e a pobreza da periferia, é absurdamente gritante. Quando, finalmente, adentramos a intrarea - pronuncia-se curiosamente "entrada" - onde moraria pelos próximos quinze dias, meu tio já me esperava na porta de uma casa tímida e minúscula, de grades e portão vermelhos. Me senti, naquele momento, como se houvesse voltado para o Brasil e estivesse em uma rua qualquer de um bairro afastado da periferia de São Paulo.
Tomei um banho quente. Sim, havia chuveiro elétrico em Bucareste, algo que, fora do Brasil, jamais havia visto. Mas não eram os modernos chuveiros brasileiros e sim, peças do século passado. Meu velho tio, vivendo na Europa por quase o tempo que eu tenho de vida, me alertaria antes que eu desabasse em uma cama equipada com um colchão de molas:
- "Você vai se surpreender com este país. Muitas vezes você terá a nítida impressão que está no Brasil, de tanto que este povo e esse lugar é parecido com o nosso".
No dia seguinte, um, domingo, ainda muito cansado da viagem, resolvi andar pelas redondezas, tomando o cuidado de memorizar o lugar de onde sai. Afinal, não falava uma palavra de romeno. Logo saberia que qualquer romeno de menos de 35 anos fala inglês fluentemente. Bucareste, apesar de tanto contraste entre pobreza e riqueza em um único lugar, era uma das cidades com as menores taxas de criminalidade da Europa. Uma caminhada por aquela parte da capital era razoavelmente segura e eu prossegui.
O frio que fazia, beirando os quinze graus, me fazia sentir "em casa". Passei por uma pequena loja onde pude ler a palavra "xerox" na porta. Mais uma similaridade com o Brasil, o uso da marca em vez do nome "fotocópia". Vi, pelas ruas, um povo surpreendentemente muito parecido com o brasileiro: Informal, andando sem camisa e de bermuda, sentado nas portas a brincar com os filhos e, principalmente, vi muito, mas muito lixo jogado pelas ruas.
Os anos de comunismo causaram danos irreparáveis à Romênia. Tão irreparáveis que a recente entrada do pais na Zona do Euro ainda não havia melhorado em quase nada o estado das coisas. Ri com a quantidade de vezes que li a palavra "cu" pintada em letreiros. Na hora do almoço, regado a pizza e refrigerante, pois a comida local era impossível de comer para ocidentais como nós, soube através do meu tio que tal palavra, que para nós tem outro significado, para eles nada mais era que a preposição "com".
A próxima semana seria de trabalho duro, instalando cerca de duas centenas de fotocopiadoras, fazendo turismo forçado pela cidade, que se debatia entre a modernidade forçada e seu passado comunista. Em um destes locais onde trabalhamos, um órgão estatal, encontrei Nicoleta, uma pequena romena de 30 anos, solteira, cabelos negros e olhos castanhos. Percebendo que falávamos português, a morena puxou conversa, nos dizendo que havia morado no Brasil durante a juventude. Trocamos telefone e perfil nas redes sociais e nos falamos em todas as noites enquanto o meu cansaço permitiu. No final de semana ela me convidou para conhecer a sua casa, em Chitila, um vilarejo nada romântico nos arredores da capital.
Não havia muito a fazer a não ser caminhar pelas estradas de terra e apreciar, por assim dizer, a vegetação rasteira, sob o sol que, naquele domingo, ofereceu uma trégua. Ao chegarmos da caminhada, suados, ela me ofereceu uma toalha e me levou à "baie" pelas mãos. Se despiu, riu um tanto nervosamente e nossos corpos nus finalmente se encontraram. No final de semana seguinte, após outra semana infernal de muito trabalho e longas conversas noturnas, repetimos a dose e nos encontramos novamente, fazendo tudo novamente, em um absoluto e absurdo ritual.
Ao final do domingo, Nicoleta me levou ao aeroporto em seu Trabant verde esperança e seu sorriso foi a última lembrança que levei da tão inesperada Romênia. Não houve lágrimas, sequer um "até breve". Sabíamos que jamais voltaríamos a nos ver novamente. Enquanto aguardava na sala vip, observei aquela mulher se afastar sem olhar para trás, como havíamos combinado, acordo que eu não consegui cumprir. No alto-falante, Tom Jobim me dizia para olhar aquela coisa mais linda e cheia de graça, que foi e passou. A minha garota de Bucareste.
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