Pular para o conteúdo principal

Dos discos de cabeceira: The Smiths - "Hatful Of Hollow" (1984)

Em 1986, o rock brasileiro vivia sua efervescência maior com o milagre do plano cruzado e muitas das bandas de então dedicavam-se a simplesmente imitar aqueles que três anos antes despontaram como 'a maior promessa dos anos 80'. Os Smiths , cujo nome aqui ganhou a tradução - errônea - de 'Os Silva', já influenciavam 'seminalmente' bandas locais que surgiram muito antes deles. 

A princípio, o grupo foi mais um 'fogo de palha' da imprensa inglesa já que seu primeiro disco trazia defeitos demais mesmo para uma produção independente. Mal gravado, mal tocado e mal cantado, este primeiro trabalho desperdiçaria ótimas canções como "This Charming Man".

Foi só quando o grupo participou do lendários programa  de John Peel, na rádio inglesa BBC1,  em que a banda tocou ao vivo sem plateia,  que  a qualidade do grupo pôde ser comprovada, algo que não apareceu em horas de estúdio profissional sacrificadamente pagas pela pequeníssima loja Rough Trade , que bancou o lançamento do primeiro LP. Nas faixas que gravou para o programa do DJ John Peel, os Smiths surpreenderam tanto que a gravadora não permitiu o lançamento do CD com o especial, com medo que isso prejudicasse as vendas do disco de estúdio.

Logo em seguida , outro DJ, David Jensen,  da mesma emissora, os convidou para outro set ao vivo no estúdio e desta vez a gravadora não conseguiu evitar que um disco fosse preparado e lançado. A solução foi juntar as gravações dos dois sets mais material de singles e daí surgiu esta maravilhosa colcha de retalhos.

O CD é perfeito em tudo. A excelente apresentação do LP, com uma capa dupla azul, já impressionava. 'Hatful of Hollow' abre com 'William, It Was Really Nothing', mais uma das muitas composições esquisitas de Morrissey, em que ele lamenta o casamento de um jogador de futebol inglês com uma gordinha que o estaria chantageando. Um pop luxuosíssimo à base de guitarra,baixo e bateria. A segunda faixa, 'What Difference Does It Makes', é uma espécie de jazz-rock acelerado com um excelente diálogo entre baixo e bateria. 'These Things Takes Time' prega o celibato e é eficiente. 

Quem, como eu, conheceu primeiro a versão deste disco para 'This Charming Man', não conseguiu ouvir mais a outra, do primeiro disco, sem uma ponta de decepção. Aliás, esta música foi o estopim de uma grande confusão a respeito da suposta homossexualidade de Morrissey. Muita gente que não prestou atenção na letra, achou que o homem charmoso do título era outro e não o próprio cantor, que deflagra um narcisismo terminal durante os poucos minutos da canção.

'How Soon is Now' foi gravada em estúdio, se trata de um B-side de single. 'Handsome Devil' e segue o estílo acelerado de 'What difference...' e 'Heaven Knows I'm Miserable Now' tem uma melodia forte e uma levada simples e genial. 'This Night Has Opened My Eyes' persegue o estilo dos Pretenders, declarada influência da banda, e 'You've Got Everything Now' contém os famosos versos "...Eu não quero um namorado, apenas estar sentado no seu carro ao seu lado..." que fala como um amigo do cantor 'confundiu' as coisas. 'Accept Yourself', 'Girl Afraid', 'Back To The Old-House', 'Reel Around The Fountain', e 'Please Please Let me Get What I Want' completam o CD, sem nenhum grande rasgo de genialidade mas com muita competência.

Este disco serviu de cartão de apresentação da banda para muitos fans brasileiros, que logo em seguida viram o estouro de 'Boy With The Thorn In His Side' e do disco 'The Queen Is Dead', tido injustamente como o melhor trabalho do grupo. Mas isso já é uma outra história...

Comentários

Esteba disse…
Concordo. Acho The Queen is Dead supervalorizado. Em hatful a banda esta mais crua. GIRL afraid acho muito boa pelo inicio genial

Postagens mais visitadas deste blog

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic

Terra de Anões

Eu hoje estava ouvindo no meu smartphone, enquanto caminhava, aquela música dos Engenheiros do Hawaii chamada "Terra de Gigantes" em que um dos versos afirma que "a juventude era uma banda em uma propaganda de refrigerantes". Criticava-se a alienação dos jovens. E a maioria de nós éramos os jovens, por sinal. Mas o que tínhamos? Tínhamos internet? Tínhamos Google? Tínhamos acesso quase que instantâneo a toda a história da humanidade, a que passara e a que estávamos vivendo? Que culpa tínhamos de sermos alienados se não tínhamos a informação? Pois é, não tínhamos nada. E, ainda assim, éramos a banda na propaganda de refrigerantes. Como também disse o mesmo compositor, éramos o que poderíamos ser. Pelo menos, errados ou certos, éramos a banda. E hoje, com toda a informação em suas mãos, o que os jovens se tornaram? Se tornaram um bando em uma propaganda de refrigerantes. Gente que se deixa iludir por truques "nível fanta" em vez de tentar consumir

NOS TEMPOS DA BRILHANTINA.

      T em filme que envelhece bem, permanecendo um clássico muito tempo após ser lançado, ainda que seja, ao menos a princípio, datado. Um exemplo é o filme Blues Brothers ("Os Irmãos Cara-de-Pau").  Lançado para capitalizar o sucesso do quadro de Jim Belushi e Dan Akroyd no programa Saturday Night Live , a película acabou alcançando dimensões muito maiores do que a originalmente planejada, se tornando um sucesso mundial e provocando um renascimento (ou surgimento) do interesse pelo rhythm and blues e pela soul music entre os jovens e apreciadores de música em geral. O utros são tão oportunistas - ou aparentam ser - que, desde o lançamento, são considerados lixo,  trash-movies . Muito criticados no momento em que ganharam as telas dos cinemas, adquirem respeito e alguma condescendência com o passar dos anos. O exemplo ideal deste tipo de filme seria Saturday Night Fever , o nosso "Embalos de sábado à noite". Revisto hoje em dia, seu simplismo e aparênc