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A parábola do cordão umbilical.

Esta é uma história real com um toque de fantasia, mas que bem poderia ser contada como uma parábola de Jesus de Nazaré. Ela começa assim:

Uma certa noite, há muitos anos atrás, um anjo veio aos pés da cama de uma jovem mulher, a acordou e soprou em seu ouvido: Deus havia dado uma grande missão para ela. O nome da mulher era Mônica e era uma moça sonhadora, bonita, inteligente e bem nascida, com toda uma vida de grandes alegrias e pequenas futilidades pela frente.

Laura e Mônica
Então, o anjo tomou Mônica pelas mãos e mostrou-lhe o que poderia ser o seu futuro:  Se casaria ainda muito jovem e se tornaria mãe logo em seguida. Daria  luz a uma menina, a quem chamaria Laura,  da qual jamais teria o cordão umbilical, que as uniu  na gestação, completamente cortado. Laura nasceria com paralisia cerebral, o que a tornaria completamente dependente de sua mãe e cujos cuidados lhe roubariam longos  anos de juventude. Cuidar de Laura a tornaria completamente refém das necessidades de outro ser humano. Não teria vida própria, seu casamento acabaria cedo e a única recompensa seria ouvi-la chamando de mamãe com voz infantil pelo resto da vida.
Para ajudá-la naquela jornada, Deus reservaria-lhe um anjo, que viria ao mundo na forma do seu segundo filho e seria o seu grande companheiro de batalha. Aquele anjo anunciador lhe disse também que sua missão duraria longos 21 anos. Porém lhe ofereceu a oportunidade de recusar, caso não se sentisse forte o suficiente para enfrentar o que viria. O anjo fez Mônica ver a si mesma  passando por todos os tormentos que a esperavam, mas também pela imensa alegria de cuidar da sua cria. Uma lágrima caiu dos seus olhos ao ver, ainda em sonho, o sorriso daquela menina que seria a sua filha. Mônica  respondeu ao anjo que sim, estava pronta e queria muito receber Laura.

Disse então o anjo à Mônica que ela voltaria a dormir e não lembraria de nada do que se passou  naquela noite. Dali a algum tempo, sua missão, enfim, se iniciaria. Então Mônica adormeceu novamente.

Laura e um primo.
21 anos se passariam e aquele mesmo anjo reencontra aquela moça,  agora mais madura, calejada pelos longos anos de extensos cuidados à sua filha. Ela está ali, sozinha em uma sala vazia, ao lado de um caixão, velando aquela parte dela mesma que agora se foi.

Mônica ornamentou cuidadosamente a urna funerária onde jazia agora o corpo de sua filha como uma criança guarda na caixa a sua boneca mais bonita, na esperança de voltar a brincar com ela no dia seguinte.  Cobriu a sua pequena Laura com todas as flores que conseguira encontrar. Seu olhar era terrivelmente triste. Se sentia abandonada, perdida, sem saber que rumo tomará a sua vida, agora que não tem mais a sua filha ao seu lado. 

O anjo, então,  reaparece em sua frente, pega-lhe novamente pelas mãos e sussurra em seu ouvido que o Senhor Deus pessoalmente a agradecia por todos os cuidados que teve com um de seus filhos. Sem entender quem era aquele homem, o anjo a fez lembrar, detalhe por detalhe, daquela noite tão distante, em que, sabendo de tudo  que lhe esperava, aceitara  sem titubear o seu destino, ser mãe de Laura.

Laura e seu irmão, Gabriel.
Então Mônica caiu em prantos. Ajoelhou-se frente ao anjo e implorou que ele lhe desse uma nova chance. Que não levasse embora a sua filha, que queria mais 21 anos ao lado de Laura, que não se importava de não viver a própria vida, queria viver pela sua filha, por ela e para ela. O anjo sorriu, disse gentilmente que não e que sua missão, afinal, se cumprira. E desapareceu na sua frente.

Um pequeno ruído vindo do corredor fez Mônica despertar do sono leve em que caíra. O dia já clareava no local do velório e ela ainda estava ali, sentada, sozinha, ao lado do caixão. Continuaria só. Assim se sentiria pelo resto da vida. Ainda que estivesse rodeada de amigos, mesmo assim, agora não havia mais Laura, a menina do olhar doce cujo cordão umbilical finalmente fora quebrado. Tão tarde e, ainda assim, para Mônica, cedo demais. 
(Para Laura e Mônica Domingues, com carinho).


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