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Um disco por ano de vida: The Beatles – Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) – Parte II

O disco abre com um protótipo de hard rock, a faixa título, que desemboca na melhor canção já cantada pelo baterista Ringo Starr, nos Beatles, mas que ficaria eternizada mesmo na voz de Joe Cocker. Uma pena pois a versão de Ringo é impecável e uma das melhores canções já escritas pela banda. Na sequencia,  a lisérgica Lucy in The Sky With Diamonds”, cujas iniciais, LSD, causaram enormes debates à época. Apesar de Paul insistir que se tratava de uma música sobre uma menina que desenhava diamantes no céu, ninguém acreditou.

Getting Better, pode-se dizer, foi a música que, efetivamente inaugurou o power pop, após as experimentações de Revolver, um ano antes. É a típica canção de Paul McCartney, com vocalizações pontuando aqui e ali e os refrões assobiáveis e para frente que marcaram a sua  obra  durante todos estes anos. Até o espírito conformista, tão criticado na new wave dez anos depois, já estava ali. Paul afirma na canção que tudo estava ficando cada vez melhor. O passar dos anos mostraria que não, infelizmente, não estava.

Talvez por isto mesmo a música seguinte se chamava exatamente “tapando um buraco” (Fixing a hole). A esta altura, o disco já chegava quase ao fim do lado A – isto, claro,  em um tempo em que os discos tinham lado A e lado B – e nada de nenhuma participação do companheiro Lennon. O disco se encerra com “She’s Leaving Home”, outra das mais bonitas canções de McCartney. Com uma ambientação de um quarteto de cordas, é nela que finalmente podemos ouvir, pela primeira vez, a voz de Lennon, fazendo um discreto contracanto no refrão.

John Lennon retorna para abrir o lado B com a psicodélica “Being for the Benefit of Mr. Kite”. A música não faz muitas voltas para falar mal do empresário Allan Klein e de como  a banda foi descaradamente roubada por ele. O clima circense da canção não é a toa. Indicado por Lennon  e  rechaçado inicialmente por McCartney, que deseja ver seu sogro como empresário, Allan Klein é considerado até hoje um dos pivôs da separação da banda, que acabaria acontecendo alguns anos depois.






É também no lado B que encontramos mais uma daquelas experimentações com música indiana feitas por George Harrison. Nada contra a canção, que é excelente, mas a mera repetição de “Love You To”, do disco anterior, não contribuiu para abrilhantar a excelência de Sgt Peppers, embora não o prejudicasse. Ainda que Harrison tenha tentado, a canção mais estranha e diferente do disco é a seguinte, “When I’m 64” que, em um arranjo burlesco, fala de como McCartney esperava estar aos 64. Hoje o músico está com 75 e é curioso perceber como era a expectativa de vida naquela época, pois, hoje, com 11 anos a mais, McCartney passa longe da acomodação do personagem de sua letra.

Lovely Rita, outra canção legitimamente power pop de McCartney, reacende a chama e se transforma em um dos grandes, senão o melhor,  momento do disco. Não é a melhor canção apenas por conta da excelência da peça que encerra o disco, mas, com certeza, é a mais bem resolvida harmonicamente em um lp quase  irrepreensível.

Sinceramente, “Good Morning, good morning” e a reprise de de “Sgt. Peppers” soam muito mais com uma “encheção de lingüiça” para que o álbum tivesse os 50 minutos que tem, do que, provavelmente, fossem relevantes para a ideia geral do disco. Porém, como nada aqui, não compromete o resultado final.  Lennon retorna para a épica “A Day In The Life”, esta sim o grande momento não só do disco, como de toda a carreira do conjunto.

As mais fantasiosas línguas afirmam que “A Day In The Life” descreve com detalhes o acidente de automóvel que teria vitimado Paul McCartney no ano anterior. Se você viveu no planeta Terra nos últimos cinquenta anos, deve saber que, naquela  época, corria solto um boato de que Paul teria morrido e um impostor tomado o seu lugar.  Acontece que se isto realmente aconteceu – e é óbvio que não  aconteceu – o “novo”  Paul McCartney  seria infinitamente superior ao McCartney  “morto”. Afinal, é justamente entre  “Revolver” e  “Sgt. Peppers” que acontece a explosão de criatividade que sedimentaria definitivamente o artista como o grande compositor que é e o afastaria definitivamente de sua parceria com Lennon.







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