Sem nem precisar usar o argumento de que era outro tempo, outra sociedade e outra cultura, basta afirmar que John Lennon, ao imitar alguém com deficiência mental em um show, estava, na verdade, ridicularizando o show business comparando a si mesmo com alguém que não tem completo domínio sobre si mesmo nem sobre seus atos. Da mesma forma, haters de rede social, que hoje são aceitáveis, daqui a 50 anos podem representar comportamentos tão constrangedores quanto o de Lennon nos parece hoje.
A vítima da vez dos exageros do politicamente correto chama-se John Winston Lennon e não é um homônimo, trata-se dele mesmo, John Lennon, músico, ex-guitarrista dos Beatles, brutalmente assassinado no final de 1980 por Mark Chapman. Nas redes sociais, os "haters" de plantão, aquelas pessoas com sérios problemas psicológicos que se dedicam a massacrar quem quer que seja para satisfazer as suas carências afetivas, já elevaram o assassino de Lennon à condição de "meu herói", entre outros absurdos escritos ofendendo o músico já falecido.
Em primeiro lugar, deixo claro que Lennon nunca foi meu beatle favorito. Para dizer a verdade, se eu pudesse elencá-los em ordem de preferência, John Lennon ficaria tranquilamente em quarto lugar, atrás mesmo de Ringo Starr. Portanto, não estou aqui defendendo apaixonadamente um ídolo e sim, tentando chamar as pessoas ao bom senso. Esta imbecilidade de ser politicamente correto está chegando a um ponto em que, para defender o politicamente correto, as pessoas estão se transformando no que dizem combater, estão ficando intolerantes e profundamente incorretas em suas atitudes.
Tudo começou quando uma associação para o progresso de pessoas com problemas mentais, na Inglaterra, descobriu uma gravação de um show do início da carreira dos Beatles onde Lennon imita um louco ao pedir que o público bata palmas. Sem levar em conta o contexto, a situação, o que o músico quis transmitir com aquele gesto, a tal instituição elevou John Lennon, sumariamente, à condição de novo pária de uma sociedade hipócrita e que combate virulentamente tudo que seria realmente condenável apenas para esconder as suas próprias mazelas.
John Lennon nunca se deu bem com o show business e sua engrenagem massacrante que mói os artistas até que sobre apenas o bagaço, para depois descartá-los. É conhecida a cena em que, durante um show, tocando ao piano, Lennon surta pois não se ouvia devido ao intenso barulho da platéia e começa a tocar a esmo para risos desesperados dos seus companheiros de banda. Ora, esquecendo que ele estava, naquele momento, nos mesmos anos 60 que proibiam negros de usarem bebedouros de brancos, basta um pouco de boa vontade para perceber que o ataque de Lennon não foi aos deficientes mentais e sim ao sistema que naquele momento o oprimia. No caso, a sua imitação sim, muito constrangedora, de um deficiente mental, representa ele mesmo, se sentindo limitado, tolhido, sugado. Justamente como alguém com tais limitações poderia se sentir.
A notícia boa acerca de tanta intolerância é que o politicamente correto está com os dias contados justamente por causa da incorreção política dos que acreditam serem cheios de correção. A defesa incorreta e exagerada das coisas corretas irá destruir, para o bem e futuro da humanidade, esta verdadeira praga que é a onda politicamente correta. E deixem Lennon descansar em paz, porque ele, ainda que vivesse imitando deficientes mentais na juventude e não se tratasse de um caso isolado, fez pela humanidade muito mais que a imensa maioria de nós já fez ou vá fazer um dia.
Parem de procurar pessoas nas redes sociais para serem crucificadas, seus "haters" dos infernos! Já não basta terem crucificado Jesus para depois transformá-lo em bode expiatório de suas próprias faltas? Quem aqui é melhor que o ser humano - não o artista - John Lennon para cravar-lhe agora, 35 anos depois da sua morte, três pregos em sua cruz? Mark Chapman é mesmo o seu herói, seu pequeno imbecil? Pois eu torço que você morra de velho, tenha imensa saúde e viva feliz. Porque se eu desejar que você encontre o seu próprio assassino, estarei apenas me reduzindo à sua própria insignificância. "Se acharem três pregos, vão é me crucificar", cantou Lennon certa vez. Finalmente acharam.
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