Pular para o conteúdo principal

AMAR É PARA AGNÓSTICOS.

Reencontro a ex-namorada em uma mesa de bar, após décadas sem nos vermos. Praticamente fomos os primeiros namorados um do outro e vivemos um relacionamento difícil, marcado pela distância enorme entre as cidades em que morávamos. A relação, que resistiu tão bem à distância, não resistiu à proximidade, quando finalmente passamos a estar juntos, no mesmo lugar. Enfim, suportamos a um oceano inteiro de sonhos e sucumbimos às adjacências do cotidiano.

A ex-namorada agora está mais velha, mais madura, e eu também não sou mais aquele menino que ela conheceu. Minha ex, na verdade, está bastante diferente. Para começo de conversa, não é mais “minha”. Mania esta do ser humano de querer ter posse até do que já não lhe pertence mais. 

A “ex” me lembra muito o indivíduo que eu me tornei após o fim do meu primeiro casamento: Confuso, contraditório, elétrico, impaciente e um tanto demudado. A ex-namorada me conta que também terminou seu primeiro casamento, igualmente de maneira dramática (mas quais os casamentos que não terminam dramaticamente?). Porém, a diferença essencial entre nós dois é que a minha ex perdeu completamente a fé no amor e hoje se declara uma "ateia romântica". Eu, com o passar dos anos, descobri que o amor é mesmo para os agnósticos.

Em religião, agnosticismo é aquele estágio filosófico em que você, simplesmente, dá um descanso a Deus. Não fica tentando provar que Ele existe ou que Ele deixa de existir. Deus não toma seu tempo e você não O incomoda também. Porque, quem é religioso faz de Deus seu empregado e quem é ateu, faz Dele um inimigo. E Deus não é nem uma coisa nem outra. O amor também não.

Quem é agnóstico no amor não faz do parceiro uma razão para viver. Muito menos, declara guerra ao ex após o fim da relação. Não trata o ex como se ele fosse a razão de todos os males do mundo. O agnóstico amoroso coloca o apego no lugar certo e na hora certa. Não depende de querer, muito menos ignora a necessidade de desejar. E, tendo feito de amar uma experiência quase religiosa no passado, jamais se torna um “ateu desiludido” no presente, cicatrizado do passar dos anos e do continuar das decepções.

A ex-namorada me conta que já faz alguns anos que ela se separou. Em muito menos tempo, eu me recuperei, toquei minha vida em frente e encontrei outra pessoa. Procuro, basicamente, neste segundo casamento, não repetir os erros da primeira união, sem os dramas, sem os arroubos e com muito mais serenidade. Aliás, todo mundo deveria se casar pra valer apenas pela segunda vez. A minha atual companheira também veio de um primeiro casamento e talvez seja esta a fórmula do sucesso discreto da nossa atual união. 

Minha ex deveria tentar um segundo relacionamento, acho até que ela está precisando muito disto. Minha avó costumava dizer: “Soldado morto, farda em outro!”. Mas não serei eu a lhe dizer isto. Será seu coração quando estiver recuperado e pronto. Quem sabe, da próxima vez em que nos encontrarmos em um bar qualquer, eu possa rever aquela moça romântica e sonhadora que eu conheci um dia.

Comentários

Unknown disse…
Que texto maravilhoso e reflexivo! Estou nessa "soldado morto farda noutro."

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...