Eu não me dou
a luxo de ter discos que não gosto, ainda que sejam de artistas que eu admiro. Acho um enorme desperdício de tempo e
dinheiro. Abro uma única exceção aos Beatles.
Não gosto do Álbum Branco, nem do Abbey
Road e, muito menos, o Let It Be. Talvez, não
por acaso, os discos que eles gravaram após terem deixado de ser um grupo. Enfim, o fato é que eu poderia muito bem não
ter estes três discos, mas, os tenho. E
os Beatles acabam sendo a única banda que eu realmente amo apenas por serem uma
banda. Porque as outras, mesmo tendo
ocasionalmente a discografia completa, gosto mesmo é dos discos em si, não necessariamente
dos artistas.
Artistas,
geralmente, não passam de completos idiotas. Chamam a si mesmos de gênios por terem parido
discos memoráveis, sem se dar conta que os discos ganharam vida própria e
não pertencem mais a eles desde o momento em que vieram ao mundo. É por conta disto
que, dificilmente, o melhor disco de um artista é o quinto ou o sexto. Nesta altura da carreira, o artista já é
alto-indulgente e pouco crítico consigo mesmo o suficiente para produzir
qualquer porcaria que irá aumentar o saldo a sua conta bancária em mais alguns
dígitos.
E a culpa nem
é assim tão dele, o artista. O fã também sua enorme parcela de culpa com
sua detestável tietagem. De tanto ouvir que é o máximo, o artista, que já é
boçal e egocêntrico por natureza, passa
a acreditar de vez na própria lenda e comete aqueles discos detestáveis que
mancham completamente a sua discografia.
Por estas e
algumas outras que não tieto absolutamente nenhum artista. Nenhum
artista merece. Nada contra tietes, nem contra os artistas em si. Mas saibam vocês, tietes, que vocês estragam o
seu objeto de adoração. Como os meus
objetos de adoração são os discos que eles produzem, por mim, tanto faz. Tieto os discos.
Os Rolling Stones, por exemplo. Nem vou falar aqui dos entediantes discos
solos de Mick Jagger e Keith Richards, nem dos lançamentos da banda de 1986 em
diante. Mesmo na chamada “fase clássica”
da banda, há discos que, simplesmente,
não gosto: O Black And Blue, de 1976,
é um exemplo. E é um disco de embalagem
impecável, mas de conteúdo sofrível para
o meu gosto. Já o It’s Only Rock And Roll,
que costuma ser malhado em rodas de “stonemaníacos” , para mim, é absolutamente sensacional. Um dos dez discos que eu levaria para uma ilha
deserta, junto com o Emotional Rescue, o meu preferido, por razões absolutamente
afetivas. Já o celebrado Exile On
Main Street figura alguns degraus abaixo na minha preferência,
embora, seja, realmente, um grande disco.
Afinal, é duplo.
David Bowie pode ter lançado discos
importantíssimos para a música pop, como Hunky Dory, Alladin Sane, Lodger e Heroes. Não nego nem renego nenhum deles. Mas a sua obra prima, além do fantástico LP epônimo de estreia, para
mim, ainda será a trilogia Scary Monsters/Let’s Dance/Tonight Isto porque, enquanto audiófilo, eu
“cago e ando” para a importância de Bowie e sua igualmente importante
discografia. Eu gosto é de discos e não
de artistas. E os discos que eu gosto do
camaleão são estes que eu citei e ponto final.
Outro exemplo
interessante é o do grupo escocês Cocteau
Twins. Nunca fui fã da sonoridade do
trio, mas o disco Heaven Or Las Vegas
definitivamente me conquistou. Nevermind,
do Nirvana, é infinitamente maior que o próprio grupo. A força das canções do disco deixam quem as
executa em segundo plano, vide o quanto
os outros álbuns da banda são inferiores ao seu clássico.
Coletâneas...Ah,
as boas coletâneas, aquelas bem
caprichadas, estas são um caso a parte: Songs To Learn And Sing, do Echo & The Bunnymen, Staring
At The Sea do Cure, Time
Waits For No One dos supra-citados Stones...E
os discos de covers? Que grandes maravilhas... Kicking Against The Pricks,
de Nick Cave, Dead Letter Office do REM, Pin Ups, de Bowie...e por aí vamos.
Enfim, com
tantas pequenas joias, tantos discos
com personalidade própria, para que
precisamos de artistas senão para cometê-los? Artistas dão chilique, fazem exigências, te
tratam mal quando você os encontra pessoalmente. Discos, não. Tal qual um cachorro de acrílico
ou de vinil, estão lá, eternamente
prontos, esperando a vez de entrar em
ação e te fazer feliz por quarenta minutos. Se Whisky é o cachorro engarrafado, como disse
Vinícius, discos são a sua versão
sonora. Eu amo meus discos apenas por
serem discos bons. Artistas precisam ser muito mais do que bons
para que eu apenas os respeite.
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