Se eu fosse português provavelmente eu detestaria brasileiros. Imaginem como eu me sentiria, habitante de um pequeno pais, encravado
lá na península ibérica, vendo o minúsculo
território onde vivo sendo invadido por uma horda de estrangeiros completamente
descomprometidos com a história de minha nação, a não ser pelo fato de que, um
dia, seu país já foi colônia do meu.
Como eu reagiria à óbvia constatação de que meu país havia se tornado apenas uma porta dos fundos para brasileiros poliglotas entrarem na Europa e monoglotas se acomodarem em seu território? Sim, eu certamente detestaria brasileiros.
Então não serei eu a condenar nenhum português que não goste de nós, porém louvo os que, apesar de tudo, nos suportam ou chegam até a nos amar. Porque somos mesmo uma gente casca grossa. Não pisamos de mansinho na terra dos outros, pelo contrário, pisamos forte. Somos cosmopolitas na terra alheia, queremos deixar nossa marca onde formos. Temos sangue de conquistadores, de colonizadores. Só nos falta a relevância para tal.
Costumo dizer que uma pessoa só é gente de verdade em seu próprio país. Só em nossa terra é que podemos abrir a boca e exigir nossos direitos sem ter ninguém nos lembrando que não nascemos ali, que não somos daquele lugar, que não deveríamos estar ali. Porque toda hospitalidade se desfaz ao primeiro sinal de que aquele forasteiro não seguiu religiosamente as regras impostas a um candidato a bom estrangeiro. E sempre há de se julgar os de fora com mais rigor do que os de dentro.
Como brasileiro, me dou ao direito de criticar duramente meu povo, minha terra e suas eternas e irremediáveis mazelas. Mas jamais suportei ou suportaria ver um estrangeiro me jogar nas caras as verdades sobre o meu país. Quando sou eu o estrangeiro, sou obrigado a suportar. E posso dizer que dói ouvir as verdades sobre o Brasil, assim como doeria a um português ouvir verdades sobre o país dele.
E nós, Brasil e Portugal, somos plenos de verdades amargas que doem. Tínhamos mesmo que ter tal parentesco. Se Portugal é um país apertado e apartado pela soberania espanhola, limitando os lusitanos por todos os lados, deixando apenas o Atlântico como rota de fuga, o que somos nós, lusófonos empurrando para trás uma América espanhola que mal nos tolera? Somos um Portugal que cresceu mais do que deveria.
Portugueses reclamam que "assamos bolos" aqui no Brasil. Dizem que assar bolo está errado. O certo é "cozer". E eu pergunto: Sim, e daí? E daí que vocês em Portugal falam “faça–me a mim” colidindo a ênclise e o pronome desnecessariamente? Será que vamos ficar eternamente nestas picuinhas de falares como se os próprios falares não nos permitissem tão naturalmente tais liberdades?
Não temos culpas. Sim, culpas, no plural. Brasileiros, não temos culpa de termos crescido demais, de termos nos tornado o maior país de língua portuguesa do mundo. Portugueses, não temos culpa de termos perdido o bonde das potências europeias e a importância. Somos todos inocentes, nós o povo da lusofonia irrelevante.
Portugueses, parem de nos crucificar nas redes sociais, pelo menos por conta do absurdo acordo ortográfico com o qual pactuaram e do qual não temos culpa. Por sinal, “pacto” não passará a ser escrito “pato” em português de Portugal. Continuará sendo escrito "pacto", como aqui. Ainda bem. Alguns de nós já estão se cansando de "pagar o pato" do pacto ortotrágico português. Outros estão se perguntando:
-"Que acordo?"
E se preocupando com problemas mais importantes para nós do que o mimimi português com o que outros cidadãos portugueses fizeram da língua deles.
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