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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

AS CONTRADIÇÕES DA VIDA A DOIS.

Eu não sou nenhum consultor sentimental nem ando dando conselhos pela internet sobre relacionamentos. Até porque, penso eu, para dar este tipo de aconselhamento é preciso ter uma vida conjugal ilibada, maravilhosa, perfeita e, como todos os casais do planeta, eu não a tenho. Mas justamente por isto, paradoxalmente, é que eu me arvoro a escrever algumas linhas sobre o tema. Até para desmistificar alguns pontos, que parecem óbvios demais, mas não custa nada sublinhar. Na verdade, o amor vive - e sobrevive - de paradoxos. E guarde esta frase para lembrar dela no final deste texto. Em primeiríssimo lugar: Relacionamentos de propaganda de margarina não existem. Muito menos relacionamentos de postagens do Instagram. Aliás, desconfie de derramamento de afeto mútuo nas redes sociais. Pode significar justamente o contrário do que quer aparentar. E este, sim, é um dos muitos paradoxos do amor. Todos somos  felizes em alguns momentos de uma relação a dois e somos  infelizes também em outros momen

OLÁ, ESTRANHO.

A história da música pop é recheada de "estórias". Estórias sobre amores inalcançáveis, amores desesperados, amores perdidos e amores encontrados. Nesta imensa lista de amores de todos os tipos, há também o panteão dos amores reencontrados.  Há inúmeras canções que falam do reencontro com alguém do nosso passado, que esteve distante por anos a fio e a quem não vemos faz muito tempo. Uma delas, talvez a que eu considere a mais bela, é "Hello, Stranger", gravação de 1963, de autoria e interpretação da cantora norte-americana Barbara Lewis. A faixa foi regravada várias vezes ao longo dos anos,  por artistas tão diferentes como Yvonne Elliman e Queen Latifah, mas a versão orginalíssima, a da autora em 63, ainda permanece imbatível. A sua harmonia vocal pegajosa é tão pegajosa que foi parar em diversas canções nacionais, entre elas a mais famosa, "Pingos de Amor", do pernambucano Paulo Diniz. A malemolência preguiçosa da canção retrata perfeitamente a efemerida

ENTREVISTAS COM UM VAMPIRO

Uma das máximas do jornalismo musical é que todo crítico de rock é um músico frustrado. Porém, isto não é uma ciência exata. Há muitos casos de jornalistas que fracassaram em suas carreiras musicais mas também há os casos em que, quem escreve sobre música, é apenas alguém que gosta de escrever sobre música e nada mais. Marcelo Nova, o eternamente polêmico vocalista da banda baiana Camisa de Vênus, antes de ser um músico, era radialista, e talvez seja o único caso de um artista de rock que é um radialista frustrado. Em suas entrevistas, Marcelo usa de um calculado sarcasmo, de uma calculada ironia e de comentários calculadamente polêmicos. Sua obra também é minunciosamente calculada para maquiar uma indisfarçável pobreza musical. Em uma de suas entrevistas, o próprio Marcelo já se declarou "um homem do texto" cercado por músicos que fazem a cama para suas viagens musico-literárias. E, realmente, é exatamente assim. Ainda quando era radialista e apresentava o programa Rock Spec

A ALMA CULTA

Todo dia de domingo eu desço uma ladeira rumo a um mercadinho que fica na parte mais pobre do bairro onde eu moro. No caminho há uma casa muito modesta, provavelmente de apenas três  cômodos, a sala/quarto em si e talvez um banheiro e uma cozinha. A frente da casa é pintada de cal azul celeste, recurso de quem não tem dinheiro mesmo para comprar a tinta mais barata. Até onde eu consigo ver, há uma mesa bem simples e uma caixinha de som tipicamente chinesa, daquelas cheias de luzes e estridência, que está sempre ligada quando eu passo e tocando o melhor da MPB e do rock. Na pequena casa, eu já percebi, mora um senhor esguio, negro e que, se o castigo dos anos não me enganar, deve estar na casa dos seus 65 anos. De lá de dentro, às vezes sai um peculiar odor de mato queimando, notadamente quando daquela caixinha sai algo oriundo das plagas jamaicanas. A primeira vez que aquela casa me chamou a atenção estava tocando na caixinha de som uma canção do Black Sabbath que eu sequer conhecia. M

O BEIJO BORBOLETA

Eu sempre tive sonhos bastante lúcidos e bem vívidos, a maioria deles multicoloridos, de paletas muito estouradas. E também já consegui, em algumas situações, até mesmo ter algum controle sob o que sonhava. Eu percebia que era um sonho e deixava rolar, me divertindo sabendo que todos aqueles absurdos que aconteciam ali eram apenas fruto da minha imaginação. Em outras, eu forçava o acordar para me livrar daquele incômodo momentâneo que estava vivendo. Mas isto que eu estava sonhando era tão surreal que não sabia se queria acordar ou permitir que continuasse. Me vi despertando de manhã, na mesma casa onde já havia morado quando ainda era adolescente, 40 anos atrás. Pôsteres do The Police e do Kiss na parede, o velho armário de madeira herdado da tia avó e a escrivaninha onde repousava a minha ainda pequena coleção de discos e a minha já velha vitrola. Levantei da cama e fui até a escrivaninha, repassar com os dedos estranhamente mais jovens os meus primeiros discos e estavam todos ali: J

O NÃO DE EURÍDICE.

Na mitologia grega, Eurídice era uma bela ninfa pela qual Orfeu desceu às profundezas do mundo inferior  à sua procura. Lá, Orfeu convenceu Hades, o deus dos mortos e governante do lugar, a permitir que ele levasse Eurídice de volta para a Terra. A condição imposta por Hades é que Orfeu não olhasse para a amada até que chegasse em casa. Orfeu não conseguiu resistir, desobedeceu Hades e Euridice voltou para o inferno. Na minha mitologia, Eurídice não era uma ninfa, pelo contrário, era uma mulher mais velha. Também não era bela. Era muito branca , da cor de uma folha de papel, e ainda era dona de grossas lentes por conta de uma miopia severa. Euridice foi o  nome da minha primeiríssima paixão, ainda no raiar da puberdade, aos 13 anos. Foi aquela por quem o coração acelerou pela primeira vez ainda que aparentemente faltassem motivos para tal.   Eu era um aluno do ensino fundamental e ela, um tanto atrasada para a sua idade, também estava na mesma classe que a minha. Eu cultivava aquela pa