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Mostrando postagens de abril, 2015

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA SOBRIEDADE.

A cabei de ouvir a belíssima canção Solitary Man , do brilhante compositor norte-americano Neil Diamond e cheguei a uma conclusão: Eu sou mesmo  uma pessoa solitária. Não, não estou aqui apelando para a piedade alheia, ou mesmo para a autoindulgência,  nem fazendo dramas além dos necessários e habituais.  Longe Disso.  Trata-se de apenas uma constatação. E digo mais:  Sou uma pessoa solitária exatamente porque não bebo.   A liás, beber até que bebo, geralmente aos domingos, pouco – na verdade, um pouquinho mais que pouco - mas em casa.  O problema reside justamente aí:  A humanidade bebe aos sábados, bebe muito e bebe nos bares. Portanto, ando na contramão da maioria das pessoas e, consequentemente, da maior parte dos meus amigos também.  E u não sou uma pessoa especialmente chata. Ao menos, não é assim que eu me vejo. Sei conduzir muito bem uma conversa agradável e até costumo ser lembrado saudosamente  nas rodas de conversa.  Mas comecei a entender finalmente o meu eterno exí

OS PRETOS VELHOS DO BRASIL.

S e eu fosse personificar Deus de alguma forma, em vez do caucasiano idoso, cabeludo, sisudo  e musculoso das pinturas renascentistas, eu o imaginaria de chapéu de palha desfiado, camisa quadriculada, cachimbo no canto da boca,  a pele bem escura e a cabeça repleta de fios brancos de cabelo.  Mais ou menos como a caracterização feita pelo ator Samuel dos Santos para o seu personagem Tio Barnabé, da primeira versão do programa  Sítio do Pica Pau Amarelo, exibido pela TV Globo, na década de 70. N ão, eu não sou umbandista ou simpatizante de religiões afro-brasileiras, mas também não sou antipatizante. Tento manter uma fé na existência de uma força criadora sem me ater a religiões, então, não se trata de uma maneira disfarçada de promover esta ou aquela religião. O preto velho,  de cabeça branca, sereno, de fala mansa e olhar cândido,  me parece muito mais com o Deus que eu imagino do que qualquer outro personagem que possa ser criado pelo homem. É claro que Deus não é humano, por

QUASE SEM QUERER.

E m 1986 quase todos os jovens e adolescentes brasileiros queriam ser como Renato Russo.  Naquele momento,  em que o artista lançava seu segundo disco com a sua banda Legião Urbana, batizado com o título um tanto óbvio de “Dois”, o mundo parecia mesmo ser dos quatro rapazes de Brasília. E u tinha 19 anos e também queria ser como Renato.  Aliás, eu também me chamava Renato, era feio, desengonçado, impopular com as meninas e também escrevia lá meus versos.  Até tinha a minha própria banda,  a Uniforme.  Russo ainda não tinha assumido a sua homossexualidade e canções como “Ainda é cedo”, sobre a menina que lhe ensinou quase tudo que ele sabia, ajudou a fixar seu ideário romântico em minha cabeça saindo da adolescência de encontro ao mundo adulto. T ambém não sei  se,  naqueles tempos,  ter sabido da homossexualidade de  Renato teria mesmo feito alguma diferença para quem o admirava.  Um tempo depois, quando ele lançou a maravilhosa “Meninos e Meninas”, onde dava voltas e  mais vol

A CENA DOS ELOGIOS TROCADOS.

            P onha dois artistas rivais da música baiana em uma sala, tranque-os e volte depois de trinta minutos.  Eles terão ensaiado cinco músicas em dueto, duas de cada um e uma de Dodô e Osmar para homenagear os 30 anos de Axé-Music. Acertarão a gravação de um CD, um DVD, montarão um novo bloco no carnaval e criarão uma nova grife de roupas. Ponha dois roqueiros feirenses de duas tribos diferentes em outra sala, tranque-os e volte depois de trinta minutos. Recolha os corpos.               F eira de Santana pensa que tem uma cena musical,  mas infelizmente  não tem. E talvez nunca tenha tido.  “Cena” é quando há um agrupamento de artistas com o mesmo interesse e criando alguma coisa verdadeiramente nova e uniforme.  Isto não há.  O que há é um festival de  individualidade e corporativismo onde quem não se enquadra não entra na roda e fica de fora. A coletivização da cultura na cidade, a despeito de ser um fenômeno nacional, não trouxe nenhum grande benefício a  longo prazo.

FAQ: PAROU COM A ZELVIS PORQUE? (ATUALIZADO 2021).

    (Nota de 2021 - Este texto foi escrito logo após o fim da Zelvis, a versão axé-ska da LP & Os Compactos. Reflete o que eu pensava naquele momento em que eu estava cansado de explicar para todo mundo que me perguntava porque a banda acabou. Ao longo do texto contém notas escritas hoje, enquanto preparo o texto para republicação).              E u realmente desisti de fazer parte de bandas, mas, a princípio, não desisti, pelo menos ainda, de fazer música, no sentido de compor.  (Nota de 2021: Desisti de compor também) . Não que isto importe muito ou que o mundo esteja muito preocupado comigo e com minha criatividade. Graças a Deus, não está.  Minha saída do cenário musical feirense -  se é que alguma vez já estive dentro dele - se deu no mesmo nível da minha desimportância . Ou seja, o palco não me fez falta assim como o palco não sentiu falta de mim. E estamos todos muito bem, obrigado. A minha desistência da “vida artística”  trouxe alguns efeitos colaterais desagradáveis

O CHARME FATAL DE LANCE LOUD.

A história do rock, infelizmente, nem sempre é contada pelos mais talentosos e sim pelos que tocaram com a bunda virada para lua. Só isto explica o fato de alguém como o artista norte-americano Lance Loud ser um perfeito desconhecido no resto do mundo e uma figura pouco lembrada em seu próprio país. V eja bem, eu não estou falando de um Simon Le Bon da vida, e olha que eu sou fã de carteirinha e de primeiríssima hora do Duran Duran. Falo de alguém tão ou mais talentoso e icônico que Iggy Pop (ele mesmo outro injustiçado) nos anais roqueiros.  Lance Loud não era apenas um músico único,  frontman espetacular, dono de uma voz agradavelmente rock’n’roller, também era ator e jornalista. Al iás, Loud participou do primeiro “reality-show” da história, “An  American Family” , que retratava a rotina diária de sua própria família, em pleno 1973, e que contou com mais de 10 milhões de telespectadores em todo os EUA.  Foi durante a série que Lance assumiu sua homossexualidade tornando-se

CARTA À AMADA.

M e empresta aquela tua  borracha colorida, em formato de coração, pois o  passado precisa ser apagado e esquecido.  De hoje em diante quero te reconquistar. E mais que reconquistar, quero te  conquistar de novo a cada dia, ainda que não seja preciso.  Aliás, preciso  sempre será,  pois o amor é um corpo que precisa do alimento para sobreviver. E o alimento que satisfaz o  amor é o carinho, o respeito, a atenção e, sim, o tesão. Q uero te encher de flores todos os dias. Mas não as flores que se compram na floricultura e que murcham e morrem com o tempo.  Quero te dar as flores que não podem ser compradas, as que brotam do solo fértil da minha necessidade de te ter ao meu lado. O amor é egoísta por definição. O meu também é. Ninguém quer amar apenas  para fazer o outro feliz.  Ama-se para se ser amado. Como naquela canção de Antônio Marcos, “preciso tanto me fazer feliz”.  Mas, ao mesmo tempo não se é amado sem amar. Então, cria-se o moto contínuo perfeito, onde o meu amor por

QUEM VAI FICAR COM JONATHAN RICHMAN?

O rock tem segredos muito bem guardados e um deles chama-se   Jonathan Richman . Adorado por nove entre dez roqueiros influentes das décadas de 80 e 90, é solenemente ignorado pelos fãs destes mesmos roqueiros influentes.  Muita gente boa que idolatra bandas como   Wilco ,  Belle & Sebastian   e   Those Young Adults , poderia olhar um pouco para trás e descobrir de onde vem tanto lirismo: do violão de nylon do músico americano. N ascido em Boston, em 1951, Jonathan aprendeu a tocar violão aos 15 anos. Sua incomum musicalidade ele atribui às canções que sua mãe costumava cantar ao pô-lo para dormir, aos três anos de idade. Em 1969, mudou-se para a vizinha Nova Iorque se hospedando na casa do manager do   Velvet Underground   e se tornando amigo de Lou Reed (que, certa vez, declarou que se sentia frustrado por não escrever como Richman), esperando por uma chance no show-bizz. A inda em 69, antes de retornar a Boston, formou o grupo   Modern Lovers   com Chris Frantz, que depois vi

BOTA PRA FUDER PARTE IV - SÓ O FIM.

U ma  formação do Camisa de Vênus sem Marcelo Nova pode mesmo soar um tanto esquisita,  mas não é, de forma alguma, incomum no mundo da música.  Já tivemos um Capital Inicial sem Dinho Ouro Preto, um  Creedence Clearwater Revival  sem John Forgety e até mesmo uma LP & Os Compactos sem José Mário Pitombo.  Vocalistas saem, a banda continua e isto não é novidade  nenhuma no mundo do rock.  Então, de fato, o Camisa de Vênus tendo Eduardo Scott como front-man  é perfeitamente legítimo,  até porque, no início do projeto,  havia 3/5 da formação original no novo line-up. S im, era mesmo uma versão inferior e um tanto decadente do Camisa de Vênus original, mas , de fato, todas as formações de um grupo que sucedem à  original costumam ser inferiores e decadentes.  E  o Camisa, diga-se de passagem, teve várias formações assim. O novo Camisa havia se tornado uma banda de bar? Mas, e daí?  O último show que assisti do Camisa com Marcelo Nova foi em um bar, o antigo Cabaret, aqui em Feira

BOTA PRA FUDER PARTE III - PASSAMOS POR ISSO.

E u ainda iria em muitos outros shows do Camisa de Vênus mas fui me dando conta da crescente antipatia e soberba do bandleader Marcelo Nova.  Com o ego inflado pelo sucesso  inegável , Marcelo esqueceu que a fórmula da enorme aceitação do Camisa na Bahia  era fazer com que o fã se sentisse parte do espetáculo. Nova  passou a confundir  irreverência com arrogância e  a destratar os seus admiradores, seja em cima do palco seja no contato pessoal.  Nos shows, passou a tratar a plateia como um bando de idiotas a quem dominava. Os mais descerebrados o idolatravam por isto, porém, as cabeças mais pensantes logo notaram que não valia mais  a pena pagar para ir a um show para sofrer bullying.                 Q uando o truque deixou de funcionar na Bahia, o Camisa de Vênus se preparou para alargar os horizontes e rumou, primeiro para o Rio de Janeiro, depois para São Paulo, indo parar no Rio Grande do Sul.  Dali em diante a banda perderia muito do encanto inicial. O segundo disco não me ag

BOTA PRA FUDER PARTE II - METÁSTASE.

C om o cair da noite, começaram a chegar as figuras mais esquisitas que eu jamais tinha visto em meus quinze anos de menino do  interior da Bahia.  Seres punks, headbangers,  góticos, todos vestidos de preto,  maquiados, ou mesmo  cabeludos  com pulseiras de espinhos.  Nós, que éramos tratados com excêntricos na escola e na vizinhança, parecíamos as pessoas mais absolutamente normais do mundo, perante aquela fauna e flora.                F lora sim, porque, neste show,  tivemos contato com as meninas do rock.  Até então, acreditávamos piamente que mulheres roqueiras eram apenas uma invenção da indústria fonográfica para nos obrigar a continuar comprando discos de cabeludos fedorentos. As mulheres que estavam naquele show eram lindas, perfeitas, sedutoras e, claro, nem se davam conta que eu existia.                     N a prática foi meu primeiro show de rock.  Já tinha acompanhado minha mãe a um show dos Golden Boys na infância – ela não teve com quem me deixar e, naquele te

BOTA PRA FUDER PARTE I - CONTROLE TOTAL

O ano era 1982, eu tinha 15 anos, estudava no segundo grau, hoje ensino médio, e ao chegar na escola, em uma segunda-feira pela manhã, encontrei dois amigos rockers cantarolando alguma coisa que falava em fitinhas do Bonfim, acarajé e abará.   Estranhei aqueles versos vindos   da boca de quem, como eu, naqueles tempos radicais, abominava qualquer coisa que remetesse à música baiana.     Outra canção era sobre um tal de “primo Zé”.   Confesso que,   ouvidas das bocas destes meus amigos, as duas canções soaram horríveis, o que me fez tomar uma antipatia antecipada e imediata por aquilo que escutei. N ão costumava perder o programa de Marcelo Nova na  Aratu FM toda sexta-feira à noite. Ouvia colado no radinho aos trancos, barrancos, chiados e saídas eventuais do ar. Já meus dois colegas, os tais  solfejadores, eram vizinhos e moravam em uma área privilegiada, onde podia-se pegar as emissoras de rádio de Salvador com melhor qualidade.  Eu morava no centro e era uma verdadeira via cruc

PEQUENA DISCOGRAFIA DE UM ARTISTA GENIAL.

M eu encontro com a música do maestro pop Burt Bacharach foi puramente acidental. Conhecia a sublime gravação de "Baby It's You", presente já no primeiro lp dos Beatles mas, por outro lado, não gostava muito de "Raindrops Keep fallin' On My Head", interpretada por B. J. Thomas. Assim, até adquirir um LP do artista em uma liquidação da Gioventu, uma loja de discos tradicional de Salvador que estava encerrando as atividades, eu desconhecia completamente a existência (e a essência) da música de Bacharach. D esconhecer, mesmo, é claro, não desconhecia. Desde sempre uma infinidade de músicas do maestro tocava abundantemente nas rádios, interpretadas por artistas como Dionne Warwick e The Carpenters. Quem, na faixa dos 45 aos 55 anos, nunca ouviu as consagradas gravações da dupla de irmãos para "Close To You" e/ou "I Never Fall In Love Again" com Warwick? Mas saber do quê e de quem se tratava, foi mesmo a partir deste disco. Que nem era um

DYLAN PELOS SEUS MELHORES INTÉRPRETES.

THE BYRDS PLAY DYLAN – The Byrds (1979) - C omecei a comprar discos no final da década de 70. Como todo adolescente de classe média, ainda mais no meu caso, que era de classe média baixa, vivia sem dinheiro e o pouco que caia em minha mão torrava todo em LPs e compactos. Como a grana era pouca, remexia sempre as sessões de promoções das lojas de discos atrás de velhas novidades. Comprava basicamente álbuns de disco-music, geralmente coletâneas, abundantes após a decadência do estilo. A edição de 1979 M e interessar por rock mesmo, me interessei exatamente no início dos anos 80, quando uma enorme rede de lojas de discos da minha cidade começou a fazer água. Havia, em Feira de Santana, literalmente, uma loja da Tom Discos em cada esquina. O poderio da rede de lojas era tão grande que as lojas de Salvador não se atreviam a colocar os pés na cidade evitando abrir filiais por aqui. N ão sei exatamente o que aconteceu com a Tom Discos, mas sua falência pode estar relaci