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ENTREVISTAS COM UM VAMPIRO

Uma das máximas do jornalismo musical é que todo crítico de rock é um músico frustrado. Porém, isto não é uma ciência exata. Há muitos casos de jornalistas que fracassaram em suas carreiras musicais mas também há os casos em que, quem escreve sobre música, é apenas alguém que gosta de escrever sobre música e nada mais.

Marcelo Nova, o eternamente polêmico vocalista da banda baiana Camisa de Vênus, antes de ser um músico, era radialista, e talvez seja o único caso de um artista de rock que é um radialista frustrado. Em suas entrevistas, Marcelo usa de um calculado sarcasmo, de uma calculada ironia e de comentários calculadamente polêmicos. Sua obra também é minunciosamente calculada para maquiar uma indisfarçável pobreza musical.

Em uma de suas entrevistas, o próprio Marcelo já se declarou "um homem do texto" cercado por músicos que fazem a cama para suas viagens musico-literárias. E, realmente, é exatamente assim. Ainda quando era radialista e apresentava o programa Rock Special na Rádio Aratu FM, na Bahia, Marcelo preparou os seus ouvintes para a banda que lançaria logo em seguida. Literalmente educou sua audiência com o melhor da new wave e do punk rock, enquanto denegria artistas das décadas anteriores, notadamente do rock mais pesado e da MPB. Uma vez amestrado, seu público comprou largamente a ideia da banda Camisa de Vênus. Porém, bastou o segundo disco, Batalhões de Estranhos, para que Nova se desligasse daquela falseta punk em que se metera para alcançar projeção.

Em outra entrevista, Marcelo Nova faz questão de ressaltar (e demonstrar) que é um ouvinte de extremo bom gosto e um leitor voraz da boa literatura. Cita discos ao vivo do saxofonista Ben Webster enquanto observa como é bom reler determinados livros clássicos após a maturidade. Fala de si mesmo e do seu passado em suas letras e do mal estar que gostaria de despertar,. Fala assim justamente porque lhe falta quem fale dele - como faço agora - em terceira pessoa. Conseguiu treitar com Samuel Rosa, muito mais por conta de uma declaração demeritória do finado guitarrista de sua banda, Karl Hummel, a respeito do Skank, do que propriamente por conta de uma colisão frontal sobre a guarda solidária de Raul Seixas. 

Marcelo Nova, o vampiro baiano, pode até ter mesmo sugado as últimas gotas de sangue que havia no corpo do Maluco Beleza, mas, por outro lado, cozinhou seu sangue em uma panela diabólica e concedeu a Raul a vida eterna. Sem aqueles sopros de vida finais que foram os últimos shows e o derradeiro disco, não haveria Bruce Springsteen cantando Sociedade Alternativa nem fãs ensandecidos pedindo para tocar Raul. Marcelo reclama da censura que o apresentador Jô Soares teria lhe imposto em uma entrevista à época do lançamento do seu disco com Raul Seixas. mas ele sabe que suas falas a respeito da sua antiga banda foram cortadas, não por censura, mas porque, ali, naquela entrevista, a estrela, de fato, era o parceiro de Paulo Coelho e não ele.

Marcelo Nova bem que tentou provocar todo mundo mas quase ninguém caiu em sua provocação. Já quis comprar briga com o movimento negro desfazendo dos símbolos religiosos do candomblé e da assim chamada baianidade, mas  o movimento negro preferiu brigar com Tiririca e os 'cabelos de bombril de arear panela" que o palhaço decantava em seu primeiro disco. Quis bater de frente  com o sistema mas acabou contratado pela Som Livre que, quando percebeu que o artista se tratava de uma rajada de metralhadora com potência reduzida, transferiu sua banda para a secundária RGE. Lançou um disco "ao vivo" recheado de palavrões e posto no mercado para que fosse apreendido e virasse história. Caiu nas graças de André Midani que o levou para a poderosa WEA. Nos anos seguintes, quando não havia mais duplos sentidos e riscos a correr para a sua carreira, Marcelo não perdeu a empáfia, ainda que tivesse que dar entrevistas a universitários deslumbrados enquanto se preparava para tocar em palcos a nível do chão.

Marcelo Nova, o mestre do bom gosto, aquele que botava rock para eu ouvir, gostaria de ser um músico talentoso e importante à altura da música que ouve. Gostaria também de ser relevante como são os artistas que dividem a agulha de sua vitrola. Gostaria de ser ouvido, de ser consultado, ainda que fosse apenas para que pudesse depois afirmar que o que lhe foi perguntado foi censurado e não foi publicado. É uma espécie de Caetano pós-moderno em versão roqueira, com o mesmo ego exacerbado mas sem o texto refinado do tropicalista. Até porque, Marcelo diria, "refinamento de cu é rola, meu irmão".

Daí se poder dizer que Marcelo Nova é um radialista frustrado que se tornou um artista de rock. Talvez o baiano quisesse apenas levar para as massas - as suas massas -  a boa música que ouve e tentou traduzir isso em sua própria música, um tanto capenga e muitas vezes mal feita. Ou talvez, sua função seja esta mesma, a de ser, tal qual Donald Fagen na capa de The Nightfly, um figuralista de nosso tempo através da música que (re)produz. Mas, apesar de tudo isto, ou ainda, por conta de tudo isto, salve Marcelo Nova, nosso canastrão preferido, uma espécie de Francisco Cuoco do rock. Aquele que sempre parece estar atuando bem, ainda que apenas esteja imitando a si mesmo.

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