Hoje
é o dia mundial do rock e eu não sei bem o que isto significa e o que pode
estar por trás disto. Porque tudo que o rock - o rock de verdade - jamais precisou, é de um dia mundial.
Escolher uma data para celebrar o rock é decretar irrevogavelmente a sua morte. Pois
é, o rock morreu! Viva o rock! E eu vou querer repetir e repetir e repetir a
palavra “rock”, até que ela não faça mais sentido algum e possa, finalmente, se
cansar sem paz, no inferno.
Porque rock é rebeldia. Rock é ir contra todas as regras, é jamais reverenciar, é não idolatrar absolutamente nada. Muito menos reverenciar a si mesmo. Por isto é que não existe um “rock gospel” de verdade. Tudo que pode ser antirreligioso, tudo que puder ir contra a religião, ainda assim jamais será tão “anti” quanto o verdadeiro rock. Usá-lo para louvar, seja a Deus ou ao diabo, é transformá-lo no avesso de si mesmo. Rock de doutrinação não é rock, é “kcor”, é o contrário do rock.
No
jornal matinal do dia mundial do rock, a apresentadora comemora a data e anuncia uma matéria sobre
os “roqueiros do bem”. Gente que se veste de forma estereotipada , como os
palhaços fazem nos circos, e saem por aí fazendo caridade e distribuindo
presentes e ajuda aos necessitados.
Deixo
claro que nada tenho contra a caridade, nem mesmo contra ser “do bem”. Mas quando
um “roqueiro” quiser ser “do bem”, que tire a fantasia de roqueiro e vista a roupa de
gente, a de ser humano. Porque não existe isto de “roqueiro do bem”. Roqueiro é do mal, por
definição. Imagine se tudo que é cantado nas letras de rock fosse efetivamente
posto em prática? Teríamos um mundo de headbangers fazendo missa negra em cada
esquina, violentando cadáveres nos cemitérios e queimando igrejas por aí.
Também
teríamos “rockers” pegando meninas à força e levando-as para um lugar escuro
qualquer e, enfim, consumando um ato de violência em que a violentada deliraria
de prazer. Todas as drogas existentes no mundo seriam consumidas abertamente e
os roqueiros viveriam bêbados, trabalhariam bêbados, bateriam no chefe e, ao
final, o chefe também cairia no rock até o dia amanhecer.
Perceberam
onde quero chegar? Rock é fantasia, é “RPG”. Rock é decerebração e descelebração. Ninguém pode ser roqueiro e
ser ”do bem”, no mesmo plano físico, na mesma dimensão, porque são dois mundos
absolutamente diferentes. Na dimensão onde o rock existe - repito, o rock de verdade - não pode haver um dia mundial do rock.
Um
dia mundial dedicado ao rock serve apenas a quem faz do rock plataforma política ou carteira de dinheiro. A
quem aprisiona o rock em coletivos como se apreende um pássaro em
uma gaiola. O rock que se comemora hoje é aquele rock made in CCCP, da União Soviética dos anos 70, onde os concertos só
tinham convidados do governo, assistia-se tudo sentado e , ao final, era
obrigatório bater palmas.
O
rock foi domado, o rock foi dominado. E não há nada hoje, nenhum outro estilo
musical, que possa substituí-lo. O rap, seu sucessor natural, com suas letras
falando sobre assassinatos entre gangues, há muito já foi devidamente domesticado
e a maioria das estrelas do estilo mais
parecem cantores evangélicos proselitistas.
O
rock precisa urgentemente voltar a ser perigoso,
a ser ameaçador. A ser chamado, e a chamar também, de nigger,
de ghostly, de fag, de bitch. No Brasil,
de crioulo, pau-de-arara, viado e puta. O rock precisa parar de ser certinho,
de ser bom menino, de ser bom filho, bom pai e bom avô. O rock precisa deixar
de ser o fator de união da família. Precisa ser tocado alto o suficiente para
irritar o papai ou para matar de vergonha o filho CDF.
Sou a
favor de um dia mundial contra o rock, com mães e pais zelosos saindo em
passeata contra esta verdadeira “manifestação
diabólica”. Quero um dia em que pais autoritários impeçam seus filhos de
ouvirem rock. E eles desobedeçam. Porque a desobediência é a verdadeira
essência do rock, não a acomodação.
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