Wendy O. Williams, a lendária vocalista do grupo punk Plasmatics, se suicidou aos 48 anos, com um tiro de rifle na cabeça, em um canto do próprio quintal onde mantinha uma espécie de bosque. Ao contrário do que poderia supor quem se deixasse levar pela sua imagem pública, Wendy era uma ativista animal, budista, abstêmia e vegetariana. Longe dos palcos, era apenas uma mulher como outra qualquer. Isto não a impediu de tirar a própria vida e ainda deixar como legado para a humanidade um dos mais frios bilhetes de suicídio que já se teve notícia. Em suas palavras de despedida, Wendy afirmava que, ainda que não fizesse apologia ao ato nem quisesse incentivar ninguém a fazer o mesmo que ela, acreditava que tirar a própria vida fazia era um direito seu e parte das suas liberdades individuais. E, Wendy, sem dúvida, quis exercer este direito.
A relação de Wendy Williams com o músico Lemmy Kilmister, falecido nesta última segunda-feira, era bastante próxima enquanto ela esteve viva. Ia muito além das inúmeras canções gravadas juntos. Solteirão convicto, era Wendy o mais próximo que Lemmy teve de uma namorada. Quando resolveu cometer suicídio, a vocalista recebeu o mais completo apoio do seu parceiro, que foi uma das poucas pessoas que souberam com antecedência do que iria ocorrer.
Alguns anos se passaram e o mito Lemmy Kilmister finalmente envelheceu. Boatos diziam que um dos seus péssimos hábitos atuais seria tomar uma garrafa de uísque Jack Daniels por dia e, de uns tempos para cá, a sua saúde teria decaído a tal ponto que, quem pagasse o ingresso para assistir a um dos shows da sua banda, o Motorhead, corria o risco de não contar com a presença do baixista durante todo o espetáculo. No último dia de natal, Lemmy soube que tinha câncer no cérebro e pescoço e apenas mais seis meses de vida, no máximo. No dia 28, três dias depois, veio a falecer.
Jesus andou sobre as águas, curou paralíticos e transformou água em vinho. Não adianta apelar para a racionalidade e afirmar que ninguém seria capaz de realizar estes prodígios. Cristo é um mito para os seus seguidores e qualquer tentativa de questionar seus milagres esbarrará no fanatismo religioso. Para alguns roqueiros, Lemmy Kilmister era o mais próximo possível que um headbanger poderia chegar de Jesus Cristo. De ontem para cá, quando a sua morte foi anunciada pela página oficial da banda no facebook, já foi dito até que o artista, cansado e desiludido de viver, teria obrigado o próprio corpo a parar de funcionar. Descontado o romantismo pueril, provavelmente, foi isto mesmo que aconteceu: Lemmy Kilmister se suicidou.
Nada mais "Lemmy" do que ter pleno domínio e direito sobre a própria vida. Nascido em 1945, o cantor era fascinado pela segunda guerra mundial, que acabara no ano em que ele nascera. Colecionador de relíquias daquele período, era comum que o confundissem com um admirador do nazismo. Foi baixista da banda Hawkwind, de onde saiu para fundar o Motorhead e deixar seu nome inscrito na história do rock.
Lemmy jamais foi polido. Nunca foi politicamente correto. "Sem classe", gritava a letra de uma de suas músicas mais conhecidas. "Eu não quero viver para sempre", dizia outra de suas letras grunhidas. Pode ser, realmente, que a vida tenha resolvido ser benevolente com o velho Ian Kilmister e não ter mesmo permitido que ele definhasse em sofrimento, se arrastando como um vegetal pelos seus últimos seis meses de vida. Mas, o mais provável é que Lemmy tenha realmente resolvido abreviar a própria existência. E ele, definitivamente, tinha este direito.
Muito mais que a estreita classificação do heavy metal, muito além do crossover de punk, metal e hardcore que inseriu sua banda no panteão dos deuses do rock and roll, Lemmy Kilmister era um rocker. Fazia rock and roll puro, simples e direto. Sem classe e sem gelo. Cowboy. Com o seu microfone posicionado na altura da testa, o vocal rasgado e quase gritado, o contra-baixo encharcado de distorção, Lemmy nunca iria querer que ninguém lamentasse a sua morte. A hora da última cartada, do ás de espadas posto na mesa, definindo o jogo, chega para todo mundo, mais cedo ou mais tarde. E, afinal, ele mesmo disse, ninguém irá viver para sempre. Nem Lemmy, nem Wendy. Nem eu, nem você. Descanse, ainda que ninguém possa garantir que será em paz, meu velho. Obrigado por tudo e daqui a pouco, quando for a vez de cada um de nós que ficamos por aqui mais um tempo, todos nos veremos no Céu. Ou no inferno. Tanto faz. Pois nem a eternidade é para sempre.
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