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Um disco por ano de vida: "Band On The Run" - Wings (1973) - Parte II

A capa de Band On The Run faz uma citação, aparentemente involuntária, à outra capa memorável, a do próprio Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, com a presença de seis personalidades do mundo artístico em carne e osso, acompanhando a "banda em fuga", pega de surpresa por um holofote de prisão. Com certeza, há uma outra referência, desta vez aos recentes problemas de Paul McCartney com porte de drogas. Icônica e profética, a capa retrata uma banda que parecia mesmo estar se esguiando do sucesso e do reconhecimento, oferecendo ao mundo um produto improvável, mas absolutamente poderoso.

O resultado foi um disco que, apesar da recepção inicial ter sido um tanto fria e lenta, aos poucos foi alcançando excelentes níveis de vendagem, a ponto de se tornar o maior sucesso comercial da carreira solo do artista até então e um de seus álbuns mais vendidos e aclamados de todos os tempos.

Mas os problemas continuariam após o o disco sair. Tendo lançado a canção "Helen Wheels" como single, antes do lançamento do disco completo, Paul McCartney não a queria fazendo parte do álbum, mas a Apple, marotamente, colocou a faixa como hidden-track , ou faixa escondida. Tal fato gerou um aborrecimento tão grande para o músico que ele, como artista, acabou se desligando da gravadora em que era um dos proprietários. Após algum tempo, nas edições posteriores, a canção polêmica foi incorporada definitivamente ao disco.

O lado A de "Band On The Run" é aberto pela faixa que dá nome ao disco, uma peça em três partes, um truque típico de Paul McCartney. A primeira parte é uma canção pop de melodia brilhante, enquanto a segunda é um proto hard rock de influências progressivas, mostrando que o ex-beatle estava antenado com o som que estava sendo feito no mundo em 1973. Na terceira, uma imponente introdução orquestral nos entrega um "pop beatle" perfeito para o consumo. "Jet", com sua abertura "reggae" segura bem a bola e se tornou um dos clássicos da carreira solo de Paul. "Bluebird" é uma balada que bem poderia ter figurado no White Album dos Beatles e, até por isto mesmo, parece uma contraposição mais "calorenta" à "Blackbird", canção daquele disco.

"Mrs Vandebilt" é uma incursão do baixista à música caribenha, bem melhor sucedida que a anterior "O-bla-di O-bla-da". Uma canção absolutamente perfeita e dançante, que se tornaria febre no mundo inteiro, no verão de 1974, inclusive no Brasil. A mais "ensolarada" faixa do disco, talvez seja a única que reflete o clima do local em que ela foi gravada. "Let me roll it" encerra o primeiro lado e é uma resposta bem humorada a "How do you sleep", canção raivosa escrita por John Lennon criticando o antigo parceiro.  "Let me Roll it" também brinca com a recente prisão do músico por porte de drogas: O título significa, na gíria inglesa, algo como  "relaxe e deixa eu apertar unzinho para você".

Ainda que Band On The Run seja um grande disco a ponto de poder figurar tranquilamente na discografia dos Beatles, se fosse o caso, o seu lado B não repete o mesmo brilhantismo do lado A. "Mamounia", "No Words" e a já citada "Helen Wheels" não são páreo para a quina de canções presentes no lado anterior. Já "Picasso's last Words"recupera o gás do álbum, que termina com "1984", uma canção vibrante e poderosa como as que estão no lado oposto.

Nos três anos seguintes, os Wings lançariam Venus and Mars e At The Speed of Sound, dois de seus discos mais  irregulares. Só experimentariam o mesmo sucesso de Band On The Run com o álbum triplo ao vivo Wings Over America, já em 1977. Em 1980, Paul McCartney encerraria as atividades da banda para seguir definitivamente em carreia solo e hoje é um simpático velhinho especializado na melhor banda cover dos Beatles existente no mundo. E eventualmente, dos Wings também.


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