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Um disco por ano de vida: "Can't Buy a Thrill" - Steely Dan (1972)

Oficialmente, o primeiro disco dos anos 80 é Permanent Waves, do Rush, lançado estrategicamente em 01 de janeiro de 1980. No "mercado paralelo", o primeiro lançamento da nova década ocorreu ainda em novembro de 1972, quando Can't Buy a Thrill,  o sensacional disco de estréia do duo californiano Steely Dan chegou às lojas. Quando "Do it again", uma canção esquisita, de longa introdução e levada latina, tocou no rádio pela primeira vez, os anos 80 estavam oficialmente inaugurados, ainda que levassem mais de oito anos para chegar de verdade.

Esquisito é um adjetivo sempre usado para definir este disco, mas há uma grande dose de injustiça nisto.  Aliás, a própria banda já recebeu o adjetivo algumas vezes. Porém, dentro da esquisitice da discografia do Steely Dan, este é um álbum particularmente esquisito, justamente por ser bastante convencional. É completamente diferente de qualquer coisa que a dupla viria a gravar nos anos seguintes, e, ainda assim, é um dos mais impressionantes discos de estréia de qualquer grupo pop que se tem notícia.

Trata-se também, e eis aí mais uma das "esquisitices" do álbum, do único disco do Steely Dan que não é totalmente cantado por Donald Fagen. A voz tão marcante do Steely Dan não aparece em todas as faixas, muito embora provavelmente você, que não é fanzoca do Dan, não tenha se dado conta do fato até hoje. Dividindo os vocais com Fagen, apenas neste disco, estão David Palmer e o baterista Jim Hodder, todos os três de timbres tão parecidos que o ouvinte desatento facilmente os confundiriam.

Can't Buy a Thrill é um disco de rock com feições pop, pontuado pela classuda guitarra de Jeff Baxter, então também nos Doobie Brothers. É precursor do que viria a se chamar no final dos anos 70, de AOR, ou "album oriented rock", um formato de disco sem singles, pronto para ser executado em sua totalidade nas emissoras americanas. Ainda que "Do It Again" tenha alcançado relativo sucesso mundial, todas as faixas deste disco eram fortes candidatas a tocar no rádio. Daí a forte impressão do ouvinte neófito de estar diante de um "greatest hits" e não de um álbum de estreia.

O lado A abre com a impactante e já citada "Do It Again" e segue com "Dirty Work", uma balada soul de belíssima melodia. "Kings" tem uma melodia intrincada mas é docemente pop. "Midnight Cruiser" é pop de primeiríssima qualidade e outra das canções do grupo que anteciparam os anos 80 em alguns pares de anos. "Only a Fool Could Say That" tem uma irresistível pegada latina e encerra brilhantemente o lado A.

O segundo lado da bolacha abre com "Reelin' in The Years", um energético blues-rock com um magnífico solo de guitarra por Elliot Randall, então guitarrista da mítica banda Sha Na Na. O Steely Dan que todos viríamos a conhecer nos anos seguintes se faz presente em "Fire in The Hole", não por acaso a mais fraca do disco. "Brooklin" é outra balada soul de, literalmente, cortar o coração. "Change of The Guard" é mais uma dose cavalar de pop music de qualidade e "Turn That Heartbeat Over Again" é um exemplo do mais descarado bubble-gum em uma embalagem pra lá de sofisticada.

O público, de cara, reconheceu que estava diante de um grande disco. O sucesso imediato, alcançando mais de um milhão de cópias vendidas em alguns meses, levou a crítica especializada a ficar com um pé atrás e só o lançamento do segundo lp do Steely Dan a acalmou. Mas, então, foi a vez do público estranhar a nova esquisitice da dupla, que jamais repetiria em seus discos posteriores, a qualidade e a simplicidade deste primeiro trabalho.



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