Pular para o conteúdo principal

Um disco por ano de vida: "Never Mind The Bollocks, Here's The" - Sex Pistols (1977)

O ano de 1977 foi tão prolífico para a música pop que até o disco de estreia do brasileiro Sidney Magal veio excelente e recheado de hits. Porém, escolher um lp para resenhar e representar este ano único - ainda que, naquele momento, eu fosse apenas um garoto de onze anos fã de disco-music - não poderia ser uma tarefa mais simples. Ainda que 77 tenha sido o ano de lançamento de discos tão maravilhosos e importantes quanto  os primeiros do The Damned, The Clash, Talking Heads e Television, é mesmo Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols, lançado em outubro daquele ano o disco mais representativo daqueles doze meses.

Aliás, Sex Pistols é, praticamente, um sinônimo de 1977. As novas gerações não foram tão impactadas por este disco quanto poderiam ser ou deveriam e acho que, sinceramente, foi pior para eles. Talvez, se houvesse ao menos um Sex Pistols por década,  durante todos estes anos, a música não tivesse se tornado tão establishment e "bundona" quanto é atualmente.  

Para variar, conheci os Pistols através do programa Rock Special, comandado pelo músico Marcelo Nova, na Aratu FM. Antes de ouvi-los, li sobre eles na famosa publicação "As melhores bandas de rock de todos os tempos" lançada como edição especial da revista Somtrês e escrita pelo casal de jornalistas Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau. A revista, ainda que muito didática e mesmo necessária em tempos de trevas, trazia alguns erros elementares como as fotos do The Clash ilustrando a matéria sobre os Sex Pistols.

Sei que o que afirmarei irá suscitar alguns calafrios em espíritos mais sensíveis, mas, os Sex Pìstols não me impressionaram durante as primeiras audições. Na verdade, até resisti bastante ao punk rock inglês antes de abraçá-lo de vez como um dos meus estilos musicais preferidos. Nem The Jam, nem The Clash, meu entusiasmo era mesmo com os Ramones, os New York Dolls e os Dead Kennedys. Foi apenas quando um amigo me emprestou o "Never Mind The Bullocks", e o gravei em uma fita cassete, lá pelos idos de 1982, que eu realmente me encantei pela porrada sonora do disco e pela banda que o cometeu.

Algum tempo depois, finalmente, o álbum veio a ter uma edição nacional e eu pude acrescentá-lo oficialmente à minha coleção. Corria o ano de 1985 e, desde então, ainda que eu me desfizesse de lps, cds e o que fosse, Nevermind The Bollocks jamais saiu de minhas prateleiras. Acredito que, se um dia, ficasse com apenas um único disco, seria exatamente este o escolhido.

O lado A abre com o som de soldados marchando servindo de entrada para a riff poderosa de guitarra e a verborragia incansável  de Joãozinho Podre em  "Holidays In The Sun". "Bodies" nunca esteve entre as minhas preferidas, mas segura a onda sem muitas frescuras e prepara terreno para "No Feelings", uma das melhores e mais profundas canções do disco. "Liar" tem uma pegada hard-rock que é repetida em  "God Save The Queen" e "Problems". Não é a toa que tantos artistas do metal fizeram cover destas canções.

No lado B, a pegada rock and roll de "Seventeen" antecede  o ultra-mega clássico "Anarchy in The UK". "Pretty Vacant" e sua introdução chupada de uma canção obscura dos obscuros Bay City Rollers dão sequencia natural ao disco. "Submission", o momento "romântico" (fala de sexo oral) é também o mais fraquinho. "New York" e "EMI", duas canções sem o mesmo brilho das outras, estão perfeitamente posicionadas como as últimas do segundo lado. Em CD e mesmo em algumas edições em vinil, a ordem das músicas pode variar levemente.

Never Mind The Bollocks está para a história do rock como o Franz Ferdinand está para a primeira guerra mundial. No caso, evidentemente, falo do arqui-duque austríaco assassinado em 1914 e não da banda moderninha. O primeiro e único disco dos Sex Pistols foi, ao mesmo tempo, o pavio e a fagulha que detonou todos os conceitos sobre o que seria música ou barulho. Também foi o agente impulsionador do "Do It Yourself", o "faça você mesmo", que levou inúmeras bandas a apostarem em carreiras independentes. A importância dos Sex Pistols pode ser medida pela morte súbita do rock ao final dos anos 90. Engolidos pelo rap e hip-hop, o rock teria certamente sobrevivido se, naquele momento, houvesse ao menos um Sex Pistols pronto para chutar alguns culhões. 







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...