Pular para o conteúdo principal

Um café com meus amigos.

Só um minuto, folha em branco. Vou aqui fazer um café e já volto. Escrevo melhor com um copo de café ao lado e hoje, particularmente hoje, eu gostaria de escrever com bastante calma e alguma inspiração, porque o assunto é um tanto complicado: a amizade. Um instante.

Pronto. Café sendo preparado na cafeteira, eis-me aqui para falar desta tão curiosa relação de parentesco. Parentesco sim, pois aqueles que elegemos como nossos amigos se tornam os parentes que escolhemos ter. E é aí que a coisa começa a degringolar. Quem disse que parente é uma coisa necessariamente boa? Quantas e quantas reuniões de família, que deveriam ser encontros de celebração da paz e fraternidade, não se transformam em verdadeiros ringues de luta-livre com cadeiras voando e xingamentos de todos os lados? Pois é, quando transformamos pessoas com quem não temos nenhum vínculo de sangue em nossos parentes, corremos o risco de, no futuro, em uma destas reuniões familiares, vermos tudo aquilo que nos fez nos aproximarmos deles ir por água abaixo. E não vai haver laços de sangue - fora o da ocasião - para justificar pazes futuras. Se amigos que se estranham voltam a se falar é porque se gostam de verdade.

Talvez o problema esteja em mim, que sou muito rígido na forma com que eu entendo a palavra amigo. Para mim, amigo não é aquele que tolera tudo sem reclamar de nada, mas aquele que sabe reclamar com carinho. Amigo, para mim, é aquele que cuida da amizade como alguém cuida de um diamante raro a quem lhe foi confiado. E, sinto muito, amizades assim, ou não existem, ou são muito, mas muito raras.

Um dos pilares do budismo é a ideia de que o universo simplesmente, não existe. Que tudo é apenas fruto da meditação dos bodisativas, interessados que estão em uma ascensão espiritual mais breve. Parece um conceito muito complexo e um tanto confuso para as mentes ocidentais - e é mesmo -  mas é bastante plausível. Vivemos em um mundo de aparências, onde tudo aquilo que é, efetivamente não é. E é justamente o nosso apego para que o que parece ser, seja, a causa de todo o nosso sofrimento na Terra. Não entendeu? Enfim...Com licença, agora eu vou pegar o meu café, que já está pronto.

Ok. Agora com o café aqui ao lado, espero que as ideias fluam ainda mais e eu conclua esta crônica da melhor forma possível. Pois bem, como eu estava dizendo, a amizade é um conceito de aparência. Uma vez que você se dá conta disto, e aceita, passa a conviver melhor com aqueles a quem chama de amigo. Não espere uma fidelidade canina deles. Aliás, nem os cães têm esta tal fidelidade adjetivada com seu nome. Minhas cachorras entram em transe quando eu chego em casa no início da noite, mas, lá pelas dez horas, é comum que saiam do sofá quando eu excedo nos carinhos e apertos. Portanto, nem os cães são estes amigos assim tão fiéis. Porque até os bichos têm certas individualidades e é preciso respeitá-las.

Nada demais que amigos respeitem as individualidade uns dos outros. Nem sempre você está com saco para aquela conversa repetida, quase idêntica, que seu amigo tem quando lhe encontra. Geralmente são as mesmas reclamações da vida, as mesmas piadas cretinas, as mesmas brincadeiras sem graça e aí é que está a graça de se ter amigos. Se relacionar com um amigo é como viver eternamente no banco de uma "A Praça é Nossa". Sabemos o que irá acontecer, seguimos o script e, sim, gostamos muito disto.

A questão é que há um limite entre os dias em que estamos aborrecidos e emburrecidos e os dias em que elegemos os nossos amigos para descarregar todas as nossas frustrações. Aquele momento em que o amigo é o "alvo fácil", o que "está na hora errada e no lugar errado". E, infelizmente, inúmeras vezes as pessoas agem com os amigos como jamais agiriam com os inimigos. E isto vai acabar acontecendo mais cedo ou mais tarde, estejamos na posição de algoz ou de vítima da situação. Faz parte do universo do que se entende por amizade.

Não teria coragem de aconselhar ninguém a manter os seus amigos a uma certa distância. E nem é o meu propósito aqui. Mas, não posso negar que mantê-los assim, se, por um lado, me trouxe uma certa solidão, também me trouxe uma enorme paz de espírito. Cansei de me decepcionar com amizades a que julgava sólidas, confiáveis e à prova de traição. Ainda hoje me pego caindo em decepção com certos comportamentos de amigos. A diferença é que, atualmente, eu aprendi a não apostar tanto assim em amizades. Até porque, o próprio conceito se diluiu, se amplificando com o surgimento das redes sociais onde todo mundo é amigo de todo mundo e ninguém acaba sendo amigo de ninguém.

Também não escrevo este texto para que ele pareça bonito, para ser poético, para arrancar suspiros das mulheres e admiração dos homens. Escrevo desta forma um tanto crua sobre amizade porque não há razão alguma para romantizar aquilo que não passa de uma relação de interesse. E não há nada demais nisto. Todas as relações humanas, afinal, são de interesse. Talvez a única exceção - que, por sinal, confirma a regra - são as dos pais que criam filhos deficientes completamente incapazes. Estes nada esperam, só dão amor. Talvez seja esta a única relação verdadeira e plena de amizade. Todo o resto é interesse. Amizades cotidianas não fogem à este princípio.

Dito tudo isto, ainda tenho a pachorra de saudar aqueles e aquelas a quem considero meus amigos e que também me veem e vêm do mesmo jeito. Daqui do meu "eremitismo" observo a tudo e a todos na medida do possível e torço pelo sucesso pleno em suas vidas. Não há porque eu reclamar do distanciamento físico de meus amigos. Eu escolhi que fosse assim. São sempre bem vindos em meu coração, nem sempre em minha casa. Perdão se os decepciono afirmando a verdade, mas acreditem, é muito pior caso se decepcionassem percebendo a mentira. Um brinde com café a todos nós. E tirem este ar de espanto e incredulidade diante do que leram. Eu fui apenas honesto. E amigo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...