Pular para o conteúdo principal

PLUG LASER: A HISTÓRIA NÃO CONTADA - PARTE VI

Uma certa vez uma moça loira, de corpo curvilíneo, olhos azuis e um certo ar descuidado entrou na Plug Laser chamando a atenção de todos que ali estavam, entre funcionários e clientes. Se aproximou timidamente do balcão e disse em um tom de voz baixo e um sotaque inconfundível de quem é de Minas Gerais:
- Eu vim buscar as gravações de Dos Montes.

D
os Montes era um empresário do ramo da prostituição, famoso na cidade por manter duas casas situadas no bairro de Santo Antônio dos Prazeres. Acontece que Do Monte gravava fitas cassetes para servirem de som ambiente em seus estabelecimento e ele as gravava conosco. E sempre era uma de suas esbeltas funcionárias que vinha retirar a encomenda. Garotas marcadas pela dureza da profissão, não necessariamente bonitas, mas aquela mineira encantou a absolutamente todos com sua beleza estonteante.

Por uma mera coincidência, na hora de sua apoteótica visita, estava rolando ao fundo o disco recém lançado do Skank com a música "Te Ver": Os versos da canção ecoavam na loja quando ela saiu. "Te ver e não te querer é improvável, é impossível. te ver e ter que esquecer, é insuportável, é dor incrível". Alguém disse que a faixa era a trilha sonora perfeita para a visita da moça, já que ela era prostituta. Acabou que "Te Ver" se tornou, para mim, a única música tolerável do grupo mineiro.

A
lgumas figuras que não eram necessariamente clientes visitavam constantemente a loja. Não compravam nada mas rendiam um bom papo e boas risadas naqueles inevitáveis momentos de paradeiro. Aliás, eles pareciam adivinhar os dias sem movimento e apareciam em sequencia, um depois do outro. Estes dias nós chamávamos de "Praça da Alegria" em referência ao programa que antecedeu o atual "A Praça é Nossa". E todos tinham o seu "bordão" e os mesmos assuntos de sempre.

Havia também a folclórica vendedora de cocada que nos visitava diariamente. Uma certa vez, lá pelos idos de 91 ela apareceu na loja vendendo seus quitutes. mas a sua aparência não era das mais limpas e as mãos encardidas desestimulavam totalmente o consumo daquelas iguarias. Mas a tia da cocada jamais desistiu. Ano após ano, até o final da loja em 2002, ela ainda entrava e oferecia seus doces que ninguém nunca ousou consumir. Hoje, 30 anos depois, em pleno 2021, a agora Vovó das cocadas, ainda aparece em meu atual negócio, sempre oferecendo seu produto e perguntando:
- Vai querer uma cocadinha hoje?
- Hoje não, eu digo. Hoje tal qual os outros mais de dez mil dias em que não quis. Talvez quem sabe um dia eu prove, respondo mentalmente à vendedora ambulante que, trinta anos depois, ainda tem as mãos encardidas.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...