A história do
rock, infelizmente, nem sempre é contada pelos mais talentosos e sim pelos que
tocaram com a bunda virada para lua. Só isto explica o fato de alguém como o
artista norte-americano Lance Loud ser
um perfeito desconhecido no resto do mundo e uma figura pouco lembrada em seu
próprio país.
Veja bem, eu
não estou falando de um Simon Le Bon da vida, e olha que eu sou fã de
carteirinha e de primeiríssima hora do Duran Duran. Falo de alguém tão ou mais
talentoso e icônico que Iggy Pop (ele mesmo outro injustiçado) nos anais
roqueiros. Lance Loud não era apenas um
músico único, frontman espetacular, dono
de uma voz agradavelmente rock’n’roller, também era ator e jornalista.
Aliás, Loud
participou do primeiro “reality-show” da história, “An American Family” , que retratava a rotina
diária de sua própria família, em pleno 1973, e que contou com mais de 10
milhões de telespectadores em todo os EUA.
Foi durante a série que Lance assumiu sua homossexualidade tornando-se
imediatamente um ícone gay na América moralista dos anos 70.
Após o fim do
programa de TV, mudou-se para Nova Iorque, interessado por arte moderna e Andy
Wharhol. De público nos shows do Television, Talking Heads e Blondie
no CBGB,’s e no Max Kansas City, Lance
Loud logo passou a estrela. Junto com
Jay Dee Dougherty (mais tarde da banda de Patti Smith) e Rob Duprey (que, mais tarde, tocaria com Iggy Pop) formou The
Mumps, uma banda de som inclassificável e muitos anos à frente de seu
tempo.
Apesar da
excelente recepção de sua banda por parte da crítica e do público, Lance Loud
jamais conseguiria um contrato consistente com nenhuma gravadora. Lançou três singles 45 rpm de forma quase independente, que não esquentavam as prateleiras das poucas
lojas que se atreviam a vendê-los.
Atuou como
músico até 1979, quando foi um dos fundadores da revista Rock Scene, uma influente publicação sobre punk rock e new
wave. Dali em diante se tornaria um fomentador da cena cultural nova iorquina
até morrer, em 2001, vítima de AIDS.
A outra metade
dos Mumps, o “Glimmer Twin” de Loud, era o igualmente talentoso tecladista
Kristian Hoffmann. O músico assinou contrato em 1993 com a gravadora
californiana eggBERT Records, onde iniciou uma discreta mas sólida carreira
solo, lançando discos que merecem ser ouvidos. Em 1994, Hoffmann produziu uma
excelente coletânea chamada “1975-1980 Total Charm: A Brief History of a
Brief History”, pela sua gravadora. Hoffmann reuniu todo o escasso material
produzido pelos Mumps, a maioria ainda inédito. O resultado é um disco surpreendentemente
uniforme que, a despeito de algumas irregularidades naturais na qualidade
sonora, nem de longe lembra uma coletânea.
“Total Charm”
merece e deve figurar em qualquer prateleira, i-pod ou HD de música que se
preze. Do rock garagista com influências claras de Zappa de “Dance Tunes For
The Under Dogs” ao psico-pop com levada disco de “Scream and scream again”
tudo é absolutamente surpreendente nas
23 faixas (nenhuma supérflua) do CD. O
ápice do disco vem com a faixa-título “Fatal Charm” e sua melodia sinuosa
marcada por uma linha de baixo grudenta, o piano vaudeville de Hoffmann e um
refrão difícil de sair da memória. Tudo marcado pela interpretação absolutamente
original de Lance Loud.
Em 2005,
Kristian Hoffmann se junta a Rufus Wainwright, amigo pessoal tanto de Loud quanto do próprio
Hoffmann, para lançar uma nova coletânea dos Mumps, um álbum duplo chamado “How
I Save The World”. Remasterizado, com
duas músicas a mais que a primeira coletânea, e uma inegável melhor qualidade de som, o CD
duplo traz um booklet caprichadíssimo
onde músicos ianques declaram seu amor pela música de Loud e Hoffmann. Ambos os
cds são um excelente cartão de visitas para o trabalho de um artista
subestimado pela indústria musical. Corra
atrás.
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