Em 1986 quase todos
os jovens e adolescentes brasileiros queriam ser como Renato Russo. Naquele momento, em que o artista lançava seu segundo disco com
a sua banda Legião Urbana, batizado com o
título um tanto óbvio de “Dois”, o mundo parecia mesmo ser dos quatro rapazes
de Brasília.
Eu tinha 19
anos e também queria ser como Renato. Aliás,
eu também me chamava Renato, era feio, desengonçado, impopular com as meninas e também
escrevia lá meus versos. Até tinha a minha própria banda, a Uniforme. Russo ainda não tinha assumido a sua
homossexualidade e canções como “Ainda é cedo”, sobre a menina que lhe ensinou
quase tudo que ele sabia, ajudou a fixar seu ideário romântico em minha cabeça saindo da adolescência de encontro ao mundo adulto.
Também não sei
se, naqueles tempos, ter sabido da homossexualidade de Renato teria mesmo feito alguma diferença para quem o admirava. Um tempo depois, quando ele lançou a
maravilhosa “Meninos e Meninas”, onde dava voltas e mais voltas para, finalmente, declarar graciosamente sua
preferência, saber que seu ídolo era gay
não mudou em nada a admiração messiânica
que seus fãs sentiam por ele. Ainda
bem. Eu era, e ainda sou, fã de gente como George
O’Dowd. Não seria eu a implicar com a sexualidade de Renato Russo.
Mas o fato era
que Renato Manfredini Jr. era parte daquilo que eu queria ser, de
como eu queria ser e, principalmente, do porque eu queria ser. Uma canção em particular parecia mesmo ter
sido escrita para mim, como todos os fãs acham que alguma canção possa um dia ter sido. Até hoje é a minha música preferida da Legião
Urbana: “Quase sem querer”.
Conheci o
Legião Urbana (sim, sou do tempo em que
chamávamos as bandas pelo artigo masculino) primeiramente pelas páginas da
saudosa revista Pipoca Moderna. A
revista trazia, em uma de suas edições, uma imensa matéria sobre as novas
bandas que surgiam em Brasília, que, de
tão antiga, incluía na lista até os
futuramente cariocas Paralamas do Sucesso.
A revista
não tinha som e só quando um amigo carioca me mandou uma fita cassete com a demo do Legião
que eu finalmente pude ouvi-los. E,
confesso, não achei nada demais. E ainda
havia o porém que a voz de Russo, principalmente
nesta demo, parecia demais com a de
Jerry Adriani. Lembro de até ter feito uma pegadinha com um
amigo, dizendo que Adriani teria feito um disco “pós-punk”. E ele, que nem era
assim de acreditar em qualquer coisa, caiu como um patinho.
A demo não
me desagradava de todo e quando o LP saiu, eu o comprei imediatamente. Até hoje é o meu disco favorito Mas foi
o “Dois”, com suas letras intensas, cheias de imagens e toda aquela sonoridade
mais acústica, que realmente marcou toda uma época de minha vida. Eu falava deste disco a todos com quem tinha
oportunidade de conversar sobre música. Alguns
de meus colegas de república – eu estava na universidade - até já conheciam o disco por osmose, de tanto
que ouviam acidentalmente ao passar pela porta do meu quarto.
E “Quase sem querer”, com seus versos descritivos na primeira
pessoa, acalentou as muitas horas de
angústias existenciais e preocupações sobre o que eu iria fazer da vida dali em
diante. Curiosamente, um de seus versos acabaria batizando este blog, “quase sem querer”. Programado para se
chamar “Impaciente Terminal”, tive que trocar o nome às vésperas do início das
publicações por conta do falecimento de uma pessoa próxima que passou quase um
mês entre a vida e a morte. Daí, por mero acaso, quase mesmo sem querer, o blog se chamar “Impaciente e
Indeciso”.
Esperei
ansiosamente pelo “Três”, o disco que sucederia aquela obra-prima, e pela
continuidade de toda aquela intensidade e sofisticação presentes no segundo
disco. Para minha enorme decepção, o que
veio na sequencia foi um disco cru, feito às
pressas, cheio de gravações de coisas do
período pré-primeiro lp. “Que país é este” marcou o meu rompimento com o
universo do artista.
Ainda que os
discos “Quatro Estações” e “V” trouxessem algumas faixas bastante simpáticas e
interessantes, o encanto havia, definitivamente, se quebrado. Um resquício da minha paixão pela música de Renato
Russo só retornaria em seu disco quase póstumo, “A tempestade”, que ouvi ao
mesmo tempo entristecido e deliciado. Se
a magia dos primeiros tempos não havia retornado completamente, pelo menos foi
um epitáfio digno da sua importância, para mim e para a história da música.
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