O ano era
1982, eu tinha 15 anos, estudava no segundo grau, hoje ensino médio, e ao chegar na escola, em uma
segunda-feira pela manhã, encontrei dois amigos rockers cantarolando alguma
coisa que falava em fitinhas do Bonfim, acarajé e abará. Estranhei aqueles versos vindos da boca de quem, como eu, naqueles tempos
radicais, abominava qualquer coisa que remetesse à música baiana. Outra
canção era sobre um tal de “primo Zé”. Confesso
que, ouvidas das bocas destes meus
amigos, as duas canções soaram horríveis, o que me fez tomar uma antipatia
antecipada e imediata por aquilo que escutei.
Não costumava
perder o programa de Marcelo Nova na Aratu
FM toda sexta-feira à noite. Ouvia
colado no radinho aos trancos, barrancos, chiados e saídas eventuais do ar. Já meus dois colegas, os tais solfejadores, eram vizinhos e moravam em uma área
privilegiada, onde podia-se pegar as emissoras de rádio de Salvador com melhor
qualidade. Eu morava no centro e era uma
verdadeira via crucis, um exercício de paciência, ouvir as novidades não tão
novas assim de Marcelo, mas que soavam novíssimas para quem não tinha nenhum
acesso à informação.
Era comum que
eu os visitasse para ouvirmos juntos
sobre o maravilhoso mundo do punk rock, agora nos revelado pelo profeta
Nova, mas, enfim, naquela sexta em que Marcelo lançou a sua tão anunciada banda
Camisa de Vênus em seu programa, não ouvi o Rock Special. Também não os visitei
naquele fim de semana. Na segunda, na escola, fui bombardeado com um som que,
eu ainda não sabia, mas iria mudar definitivamente minha vida.
Certo que
aquela gravação demo de Controle Total e Meu primo Zé, com que Marcelo lançou
sua banda para a Bahia e o mundo, conseguia ser ainda mais precária que as
gravações seguintes, em um compacto e em LP. Controle Total, por exemplo, parecia um
animado ie-ie-ié diretamente saído da jovem guarda. Confesso que, a princípio, o Camisa de Vênus não “bateu” para mim. Foi vendo a banda tocar
ao vivo, em suas apocalípticas apresentações. que eu realmente me tornei um fã.
Não demorou
muito e o Camisa de Vênus anunciou o seu primeiro show em Feira de Santana. Hoje em dia muito pouca coisa acontece em
termos de rock na Princesa do Sertão. Em
1982, nem isso. Então poderia ser um
show de qualquer banda, eu teria ido. Ainda
mais que, aos quinze anos, você anda em bando e meu bando iria ao show.
Como um show
de rock na princesa do sertão era uma absoluta novidade, a expectativa para
aquele sábado foi enorme. Compramos o ingresso antecipado em uma lanchonete que
ficava ao lado da agência dos correios, o que nos garantiu não participar do
sorteio de discos feito no local do show.
Mea culpa, pois, com medo de que os ingressos esgotassem, instiguei meu
bando a comprá-los, ainda à tarde, quando saímos para assistir à apresentação.
Chegamos ao Ginásio Municipal às 16:00, o show estava marcado para as 21:00. E, podem acreditar, não fomos os primeiros a chegar. Encontramos, sentado sob um sol escaldante, um homem louro, gorducho, vestido com um casaco de couro. Estava com uma garrafa de conhaque pela metade, que bebia no gargalo e dividia generosamente com dois garotos de rua que se sentavam ao seu lado. Dizia se chamar "Overdose" e era apenas um dos primeiros personagens estranhos que eu encontraria naquela noite. (Continua...)
Comentários