Com o passar do tempo ele havia se tornado uma espécie de autista acidental. Nascera com o corpo repleto de chagas e uma vida que poderia ser sido contada em horas. Alguns diziam que ter sobrevivido ao desengano da morte nos primeiros dias de vida fora um milagre. Mas ele nunca concordou com o que diziam. Era um ateu que tinha fé e nunca acreditou que Deus o trataria como um coelho que tiraria da cartola, fazendo-o nascer doente apenas para ser milagrosamente curado depois.
O autista acidental usou todas as drogas que chegou às suas mãos e não se viciou em nenhuma. Drogas tinham o efeito contrário em sua mente, já naturalmente alterada. Muitas vezes, em vez de elevá-lo, as drogas o traziam de volta à realidade. Definitivamente, ele havia percebido que não necessitava delas.
Foi perdendo a fé na humanidade aos poucos, até que resolveu se calar terminantemente. Se tornara um autista por escolha própria. Só saia do seu mundo quando lhe convinha. Saia, interagia e retornava ao seu cantinho de silêncio e calma. Costumava contemplar o horizonte no crepúsculo e se perguntar porque nunca havia encontrado este nirvana telúrico antes.
O autista não se considerava feliz. Nem tampouco se achava infeliz. Logo se deu conta que felicidade e infelicidade são apenas estados ilusórios mentais. Passou a aceitar a infelicidade passageira com a mesma serenidade que vivenciava os momentos felizes que experimentava.
Se tornara cada vez mais recluso. Percebia o quanto era desimportante para o mundo na forma com que fora rapidamente esquecido. E se sentia bem com isto. A partir dos cinquenta anos começou a se preparar para a morte. Se sentia um tanto cansado da vida, é verdade, mas jamais pensara em suicídio. Causaria sofrimento aos poucos que se importavam com ele e ainda faria o júbilo de seus inimigos. Não, definitivamente suicídio não era uma boa ideia.
O autista acidental se sentia em paz como nunca havia se sentido antes. Não temia mais a morte, não temia mais a solidão. Só sentia dor quando alguma peça da engrenagem que criara para que seu mundo funcionasse saia do lugar.
Voltou para a sua pequena cidade natal, montou um pequeno negócio e passou a cultivar flores. Assim viveu até o dia em que sentiu uma pequena pontada no coração. Levou a mão ao peito, se ajoelhou e sorriu. Olhou para o alto, fechou os olhos para sempre e caiu morto no chão. Um infarto fulminante lhe trouxera o descanso por qual sempre esperou, sempre paciente e decidido.
Nunca se considerou um artista genial, sequer era mediano em sua opinião e apenas queria que o mundo o esquecesse. Não conseguiu. Volta e meia alguém coloca um de seus discos para tocar, pensa nele, suspira e murmura seu nome: Syd Barrett.
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