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A melhor pizzaria nem sempre faz a melhor pizza.

Sábado passado, saímos para comemorar o aniversário de minha filha, completados no dia anterior. O fizemos de maneira modesta, como convém à população de um país em profunda crise. De qualquer forma, resolvemos que iríamos comemorar na melhor - e, consequentemente, mais cara - pizzaria da cidade. Ao chegarmos no local, que se encontrava lotado apesar das adversidades econômicas, fomos recebidos por uma espécie de "maitre", colocado à frente de uma enorme porta de madeira ao lado de um tapete estendido na calçada.

Me surpreendi com o tamanho gigantesco do lugar, dividido em duas alas, ambas climatizadas e muito, mas muito luxuosas. Minha esposa costuma frequentar o lugar nas comemorações de fim de ano da empresa em que trabalha e já havia me falado que ali se servia "a melhor pizza da cidade". 

Somos clientes fiéis de uma humilde cantina a poucos metros de nossa casa. Lá, não há luxos, mas a pizza sai rápido e está sempre saborosa e quente. O atendimento também é ágil e os garçons sempre nos recebem com um sorriso estampado no rosto e nos desejam boa noite ao sairmos. O preço é popular e, posso dizer,  excelente.

Mas, de volta à "melhor pizza da cidade", se não tivéssemos insistido em chamar o garçom, provavelmente ainda estaríamos sentados lá, à espera de sermos atendidos. Quase uma hora depois, a tal "melhor pizza", finalmente, chegou à nossa mesa. Servida morna, o aspecto da refeição já denunciava que o lugar prometia muito mais do que entregava. A montagem do prato parecia ter sido feita por uma criança de cinco anos, tamanho o amadorismo envolvido. E, ao final, a conta - sem a nota fiscal, evidentemente - cujo total dava para comermos mais uma pizza e meia  naquela acolhedora cantina perto lá de casa, veio nos trazer á dura realidade: A melhor pizza da cidade não passava de uma falácia.


Aos poucos, observando o local e seus frequentadores, é que me dei conta do que se passava ali. A especialidade do lugar não era servir boas refeições e sim, segregar os frequentadores mais pobres e manter o ambiente sempre limpo e livre dos incômodos da miséria lá fora. Ali, a vendedora de flores não podia entrar, muito menos o engraxate de sapatos. As pessoas pagavam exatamente por isto e não por delícias culinárias. Tolo fui eu que só percebi isto depois que a conta chegou.

O mais lamentável de tudo é que os donos do lugar se dizem religiosos e gostam de se vangloriar de terem tido sucesso na vida graças à fidelidade ao seu deus. Que o espírito empreendedor dos proprietários é fantástico e digno de elogios, não há a menor dúvida. Mas associar Deus à criação de um estabelecimento que distancia seres humanos uns dos outros é, no mínimo, ter pouco conhecimento das palavras daquele a que julgam seu mestre.

Eu, daqui do meu agnosticismo, irei continuar frequentando a humilde pizzaria de meu bairro, cujos donos, aliás, também são religiosos. Pagarei um preço que sequer é justo de tão barato que é, comerei muitíssimo bem, serei saudado ao entrar, abençoado ao sair e poderei alimentar o menino pobre que engraxa sapatos sem ser mal visto pelos proprietários da casa. Deus está ali, ainda que no cardápio do lugar não haja citações bíblicas. Porque sempre seremos o que vivenciamos e não o que aparentamos.

Comentários

João Régis disse…
É a influência do abstrato sobre o concreto armado.

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