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O pregador e a autoridade.

Recentemente, começou a circular um vídeo na internet onde um pregador evangélico é proibido de continuar pregando, aos gritos, em uma estação rodoferroviária do metrô de Salvador. Transtornado e visivelmente alterado, o religioso insistia que todos ali deveriam ser evangelizados, ainda que forçadamente e que só deixaria aquele local preso.

Foto: Aratu Notícias
Nada mais contrário à própria doutrina da religião que ele afirma seguir. Ainda que, em Marcos 16:16 haja o mandamento de "ir e pregar o evangelho ao mundo todo", em Mateus 10:10 há a ressalva de que "se alguém não vos receber, nem der ouvidos às vossas palavras, assim que sairdes daquela casa ou cidade, sacudi a poeira dos vossos pés.". Ainda, em Romanos 13:1-2, a afirmação é clara: "Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus".

Quando disse que, dali, só sairia preso, o religioso desobedeceu claramente o que lhe é ordenado no livro que carrega consigo debaixo do braço. No regulamento do sistema metroviário está claro que "é proibido apregoar" no seu interior. Ora, se toda autoridade é mesmo constituída por Deus e a autoridade constituída não quer pregações acontecendo ali, evidentemente, tal vontade se estende ao próprio Senhor. E eis o pregador desobedecendo ao seu próprio Deus.

E ainda há a questão do proselitismo. Tais pregadores nunca se limitam a ensinar o que eles acreditam ser o Evangelho, ainda que o faça com a sua visão torta e preconceituosa. Cinco minutos de gritaria e eles logo começam a ofender pessoas de outras religiões, notadamente as de matizes afro-brasileiras. Então, eles caem na armadilha do proselitismo, claramente condenado por Jesus de Nazaré em Mateus 23:15: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós".

É bastante curioso que, algumas vezes, como neste caso, tenha sempre que haver um não-cristão, ou, ao menos, um cristão menos convencional, como eu, para ensinar a alguns ditos evangélicos ou católicos como eles realmente deveriam se comportar á luz do seu próprio livro de ensinamentos. Eu não sou um cristão típico, nem poderia. O próprio Jesus não seria cristão, basta ler com atenção as suas palavras nos Evangelhos e perceber o quanto o cristianismo, desde o início, procurou se afastar do Jesus histórico. 

Admiro e tento seguir, na medida do possível, os ensinamentos creditados ao Nazareno. E, se alguém  vem me falar que é preciso ter uma religião, eu balanço a cabeça positivamente e concordo. E mostro a minha religião, expressa maravilhosamente lá em Tiago 1:27: "A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo". Ou seja: Ser íntegro, ético, honesto e generoso. E isto, eu tenho tentado ser, na medida do possível. E sem alarde nem gritaria, já que o próprio Jesus disse, em Mateus 11:30, que seu fardo seria leve e seu jugo seria suave.

Eu comparo tais pregadores a meninos, que, sentados nas praças, clamam a seus companheiros: -"Tocamos flauta e não dançastes, cantamos lamentações e não pranteastes". Apontam para nós, os que eles acreditam serem "do mundo", e dizem que "temos demônio, que comemos e bebemos e que somos amigos de pecadores". Mas, como disse Jesus, em Mateus 11:16-19, "a sabedoria deles é sempre justificada por suas obras".  E que Deus, sempre, tenha piedade de todos nós.



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