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(A história da música) Gigante.

Quando eu me separei da primeira esposa, eu estava exatamente como Zeca Baleiro se descreveu na música Telegrama: "Tristinho", "sozinho" e "mais solitário que um paulistano".  No primeiro aniversário que passei separado, visivelmente deprimido, uma amiga saiu comigo e me levou a um shopping para comprar o presente que ela queria me dar "para me animar": Um DVD da sua banda preferida, os "Los Hermanos".

Não bastasse eu, simplesmente, detestar a banda de Camelo e Amarante -  à exceção de "Anna Julia", uma baita música, da qual gosto até hoje - , ainda que imbuída das melhores intenções, a minha amiga pretendia me "animar" me dando de presente a trilha perfeita para um suicídio. Diga o que quiser dos Los Hermanos, mas, não há nada na obra do grupo, nem mesmo "Anna Julia",  que possa ser adjetivado como  "divertido" ou "animado".

Fuçando os títulos disponíveis, encontrei uma opção bem mais palatável, ainda que um tanto fora do que seria a "minha praia": o então recém-lançado DVD da banda baiana Jammil. O Jammil é uma autêntica banda de fusion, no caso entre o axé, o ska e o rock-pop. Com músicos egressos do grupo de rock oitentista Diário Oficial, a banda de Beto Espínola e Tuca Fernandes, mais o compositor Manno Góes, na minha época de lojista de discos, sempre me chamou a atenção.

Indignada pela minha escolha, a minha amiga se recusou a me dar aquele DVD de presente. Eu retruquei que, de nada adiantaria ela me dar um disco dos Los Hermanos, pois eu jamais o veria ou ouviria, ainda mais, no estado emocional em que eu me encontrava. Inconformada, acabou cedendo, mas deixou claro: -"Não me convide para ver esta porcaria!". Assistiu comigo duas ou três vezes e ainda deu o braço a torcer que, "fuçando bem" (sic), havia mesmo alguma coisa de boa ali.

Por semanas, aquele DVD do Jammil foi a única coisa que vi e ouvi em casa. Os integrantes da banda eram meus contemporâneos, até conhecia pessoalmente um deles, e estavam na mesma faixa etária que eu. Eu perseguia, justamente, aquela felicidade explícita das letras do trio Foi então que resolvi compor uma canção "solar", alegre, "para cima", que me ajudasse a reverter aquele quadro de quase depressão. em que eu estava. E foi assim que surgiu "Gigante". Alegre o quanto uma canção triste pode ser alegre, e triste porque esboçava uma nítida tentativa de se achar feliz em um mar de infelicidade.

"Gigante" não é mesmo uma canção "para cima" por mais que eu desejasse que ela soasse assim. Mas acaba soando como um riso amarelo, um sorriso forçado, uma tentativa débil de parecer ser feliz a qualquer custo. A princípio,  não agradou a ninguém da banda em que eu tocava, a LP & Os Compactos, e a canção permaneceu guardada na gaveta por seis longos anos.

A LP acabou em 2006, tento voltado à atividade em 2011. Os outros integrantes do grupo queriam algo impactante para gravar e marcar o retorno e eu sugeri que esta canção fosse "Gigante". Após algumas caras feias, a música foi gravada, com um instrumental bem bacana, porém, com enormes limitações vocais que tiraram muito do seu brilho original. Ainda assim, "Gigante" foi um enorme hit local e teve muito marmanjo "suando pelos olhos" ao ouví-la.

Além da influência das canções solares e efusivas do Jammil, "Gigante" também tem relação com outra canção, tão triste e bela quanto ela, "Manhãs de Setembro", composição de Vanusa e Mário Campanha. Não sou de lamber minhas crias, mas tenho que admitir que amo "Gigante", a qual considero, sem sombra de dúvidas, a minha melhor música.  Não é a melhor música na opinião das pessoas que conhecem meu trabalho - para elas, a melhor é "Se Você Ficar", que eu, particularmente, não gosto - mas é a canção pela qual eu gostaria de ser citado depois de morrer.


Comentários

Sérgio Harry disse…
muito legais, o texto e a música.

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