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PLUG LASER: A HISTÓRIA NÃO CONTADA - PARTE IV

Eventualmente, recebíamos alguns artistas na Plug Laser, fossem como clientes ou até mesmo fornecedores. Seguindo a máxima de que todo artista tem que ir onde o povo está, muitas vezes comprávamos discos diretamente de alguns deles. 

Um deles era o ex-integrante da lendária troupe dos Novos Baianos Gato Guima (foto) que sempre aparecia e contava seus causos. Outro era o sanfoneiro Zenilton que havia adquirido os direitos sobre seus discos da década de 70 e estava relançando e os revendendo em CD literalmente de porta em porta. Quando José Nilton Veras chegava na loja era uma alegria. Ele sentava na pequena namoradeira perto da porta e nos reuníamos em volta dele para ouvir suas histórias incansavelmente repetidas. E os clientes que chegavam iam se juntando e se encantando com os causos de Zenilton. Se alguém quisesse um CD seu ele nos perguntava quanto era, vendia e nos entregava o dinheiro. E, claro, acrescentava o título vendido avulso no nosso pedido. Seu Zé, como o chamávamos,  adorava contar (e adorávamos ouvir) sobre as gravações do primeiro disco dos Raimundos. A história mais divertida era de que aquele "nanana é o diabo, eu quero é rock" não foi ensaiado e saiu quando os meninos lhe mostraram a introdução de "Puteiro em João Pessoa". Zenilton segue vivo e bem aos 82 anos.

Alguns artistas eram nossos clientes antes mesmo de alcançarem a fama. A cantora Ivete Sangalo, que tem primos morando até hoje na cidade, era uma de nossas frequentadoras quando visitava Feira de Santana. Ela e a irmã sempre voltavam para a cidade natal entupidas de discos comprados na Plug Laser. O ex-deputado Jean Willys, quando era estudante da UEFS, também costumava frequentar a nossa loja.  Willys, inclusive, é protagonista de um episódio curioso. Como tínhamos o hábito de cadastrar os clientes, nem sempre pedíamos o documento e confiávamos no que ouvíamos de suas bocas quando eles diziam o próprio nome. Foi assim que Jean virou "Aero Willys". No dia em que ele esteve na Plug Laser pela primeira vez, o vendedor veio me dizer que havia aparecido um estudante "com nome de carro". Suspeitando que não fosse este o nome, liguei para ele e confirmei que o futuro BBB não era, de fato, um automóvel.

Outros artistas também nos visitaram em seu momento de fama. Gravando um filme nas proximidades da cidade, recebemos a visita da atriz Cláudia Abreu e do ator André Valli. O nosso vendedor, que o atendeu emocionado, não se cansava de chama-lo de "visconde" em referência ao famoso personagem do Sítio do Pica Pau Amarelo. Por mais que Valli, simpaticíssimo, afirmasse que se chamava André, o vendedor respondia: "Tá certo, Visconde", encantado pela oportunidade de atender o seu ídolo da juventude. Até mesmo tivemos a presença de Po Amukul, futuro guitarrista da banda pop tailandesa Lula - nenhuma relação com o nosso ex-presidente - que passava então uma temporada no Brasil.

Quase recebemos a visita de Caetano Veloso. Digo "quase" porque ele não saiu do carro de janelas insufilmadas de um preto profundo. Eis que um protótipo de SUV estaciona e dele sai um homem negro, enorme, engravatado e bem alinhado. Pergunta se aceitamos cheque e se temos um determinado CD. Com as respostas ambas positivas, o homem volta com um cheque assinado. Ao ver o nome que constava no cheque, perguntei se era mesmo o Caetano Veloso. O homem respondeu que sim mas que o artista não queria ser incomodado. Respondi que não tinha nenhum interesse em incomodar o cliente, mas que gostaria de conferir a assinatura no cartão. O homem teve que retornar e pedir o cartão do bardo santamarense. Não era necessário. Fiz só para incomodar mesmo. Ou não.




Comentários

Unknown disse…
Retalhos de cetim.
Unknown disse…
Cheguei aqui por um compartilhamento em grupo de whatsapp e gostei do que li. Boas histórias. Li a IV, daí voltei pra I e fiz a sequencia da II e III. Eu não era assim... digamos, um cliente da Plug Laser, mas passei lá muitas vezes lá para olhar CDs. Teve um colega meu que uma vez comprou um duplo ao vivo do Slayer, "Decade of Aggression", por uma pinchicha. Foi a partir daí que conheci a banda. De qualquer sorte a loja era mesmo uma referência. Nós jovens pós adolescentes de Irará, gostávamos de passar por lá para ver (muitas vezes era só ver mesmo) as novidades. A grana era sempre escassa. Lendo seus textos me vieram muitas lembranças dos anos 90. Parabéns Renato, pelos textos e pela loja. Ficou plugada a laser na mente da galera. Abração!

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