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O BEATLE TIM NO REINO DA JOVEM GUARDA - PARTE II.

Eu, ao mesmo tempo, odeio e amo Lulu Santos. Antes que alguém questione uma suposta bipolaridade minha, eu explico: Gosto da música feita pelo artista, mas tenho uma profunda antipatia pela pessoa  de Luís Maurício dos Santos, o homem por trás do músico. Muitos artistas são antipáticos mas talentosos artistas. Assim como alguns artistas acabam favorecidos por terem simpatia demais e talento de menos. Assim é a vida como ela é, diria Nélson Rodrigues.  Da mesma forma, amo muito e odeio um pouquinho o cidadão Sebastião Rodrigues Maia, conhecido no meio artístico pelo epíteto de Tim Maia.

Tim esteve no olho do furacão nos últimos dias, nos jornais e na internet, por conta da polêmica exibição de uma minissérie baseada no filme sobre a sua vida, recentemente exibida  pela TV Globo.  Aqui mesmo neste blog, já escrevi sobre o assunto. Volto a escrever por conta da lembrança feita por alguns blogueiros e jornalistas, do episódio envolvendo os cantores Ritchie e Roberto Carlos, um boato (sim, um boato) extremamente maldoso, criado justamente pelo rei da soul-music brasileira. Segundo Tim Maia, Roberto Carlos, enciumado do enorme sucesso de Ritchie na gravadora de ambos, a CBS, teria boicotado o artista, impedindo que sua carreira se desenvolvesse. Podemos simplesmente acreditar no boato ou tentar entender os fatos e, chegarmos, nós mesmos, à conclusão se tal afirmação é factível ou não.

Não estou querendo aqui , de forma alguma, santificar Roberto Carlos, mas o caráter maleável de Tim Maia é tão notório quanto a sua capacidade de mentir e, se você se espantou com os fatos relatados no filme sobre a sua vida, saiba que Nélson Motta foi profundamente generoso com o “gordinho mais querido do Brasil”. E, mais ainda, o roteirista do filme baseado no livro. 

O que não quer dizer que Tim Maia não tivesse qualidades.  Tinha, sim, e muito mais do que a mídia poderia supor e gostaria de publicar. Tim, sozinho, mantinha um orfanato inteiro. Só ficamos sabendo disto após a sua morte, porque a viúva do artista veio a público pedir que as pessoas ajudassem a instituição que já não podia mais manter sozinha.

Acontece que Tim Maia era um ser humano como qualquer um de nós, com erros, acertos, contradições, pisadas na bola e gestos magnânimos. Falta só o respeitável público  da internet reconhecer que Roberto Carlos também é um ser humano como qualquer outro. Dito isto, vamos continuar analisando a questão:  

Em 1983, quando Ritchie, um inglês radicado no país desde os anos 70, estourou em todo o país com o compacto da música "Menina Veneno", Roberto era, sim, o maior vendedor de discos da sua gravadora. O Brasil vivia um momento musical em que o chamado “público jovem” fazia a transição da MPB para o rock “New Wave”. A Blitz havia aberto o caminho para que o “novo rock” se firmasse na preferência da juventude e Ritchie parecia o artista certo para realizar a ponte entre o gosto popular e o exigente gosto dos roqueiros. 

O compacto contendo "Menina Veneno", cujo lado B trazia a roqueiríssima  “Baby, Meu Bem”, até hoje a melhor gravação do cantor, sedimentava  a percepção de que Ritchie era a grande promessa do rock nacional para a década de 80. Espécie de meio-termo entre o sex-appeal de Elvis e a classe de Bryan Ferry,  ainda por cima era gringo, conterrâneo dos Beatles.  Agora sim, o Rock-Brasil iria fazer bonito no mundo.

Não fez.  Quando saiu o LP, intitulado “Vôo de Coração”,  o artista demonstrou, até pelo trocadilho infame do título, que seu apelo era muito mais popular do que roqueiro.  Não que as canções não tivessem qualidade, muito pelo contrário. Havia até uma versão de  “The Letter”, sucesso de Alex Chilton com os “Box Tops”.  As ótimas canções empurraram o disco facilmente para o milhão de cópias, conseguindo vender, naquele ano, ainda mais do que o tradicional disco anual do Rei Roberto.  

Alcançado o vertiginoso sucesso,  a CBS iniciou o processo daquilo que viria a ser o segundo disco do cantor. Aí começaram os erros. Ritchie, que havia se sedimentado como uma espécie de  Odair José pós-moderno, preferido de nove entre dez empregadas domésticas, passou a recusar participação em shows populares e  resolveu  voltar a focar no público mais sofisticado, mais roqueiro, aproveitando o boom que o rock nacional vivia em 1984.

O primeiro single extraído do segundo disco não ajudou.  “A Mulher Invisível” era uma canção fraquíssima, com um loop de baixo repetitivo e monótono, sem um refrão forte e com Ritchie caprichando na péssima dicção, que, se não comprometeu o sucesso de “Menina Veneno” –  até hoje as pessoas não sabem direito se o abajur  era cor de carne ou de carmim – foi fatal em “Mulher Invisível”. Noves fora o fato óbvio da similaridade dos títulos e intenções, de se repetir o sucesso de “Menina Veneno”, porém  com uma canção bem mais fraca.  

Salva-se neste segundo LP  o protoarrocha  “Só Pra o Vento” (Ritchie, definitivamente, gostava destes trocadilhos),  justamente a única faixa na linha popular e com a mesma qualidade das canções do disco anterior. O terceiro LP foi a pá de cal na história do cantor com a CBS, pois era ainda mais fraco. Sem um sucesso sequer, consequentemente, vendeu  bem menos que os dois anteriores. Quando a CBS o liberou e o inglês assinou com a Polygram, a nova gravadora repetiu  a mesma estratégia de lançar uma música impactante em compacto, a melosa “Transas”, que mais parecia um jingle de comercial de motel, e em seguida o LP. O compacto estourou mas, novamente o disco grande não aconteceu e, desta vez, não havia Roberto a se culpar. Ritchie saia, enfim, da vida musical para entrar para a história.

Um belo dia, Ritchie encontrou Tim Maia pelos palcos da vida e este resolveu repassar ao inglês  mais uma de suas “informações quentes”.  Tim,  que nunca se deu muito bem com ninguém, muito menos com seus amigos de ralação na Tijuca e que alcançaram o sucesso antes dele, alegou que fora Roberto Carlos, enciumado, que puxara o tapete do músico na sua gravadora. Pronto, agora Ritchie tinha a desculpa perfeita e que faltava para justificar seu fraco desempenho e o declínio sem volta em sua carreira. A história ganhou força e  ares de verdade absoluta.

Claro que Roberto Carlos pode, realmente, ter ficado enciumado com o sucesso estrondoso de Ritchie e é possível que ele tenha demonstrado esta insatisfação em forma de má vontade com o colega de gravadora. Mas, se a carreira do inglês decaiu, não foi por causa do rei e sim, dele mesmo.  Curiosamente, Roberto não sabotou a carreira de mais ninguém, apesar de muitos outros artistas alcançarem a marca de um milhão de cópias vendidas antes que a pirataria enterrasse de vez o seu reinado. E Tim, bem, Tim continuou a contar suas histórias e estórias, cantar como nenhum  outro as dores de ser corno e enganado e o sofrimento de amar demais até que faltasse a seu último show para ir cantar nos braços do Senhor. Dizem que tem anjo e santo com as barbas de molho até hoje já que, ao chegar, Tim entregou os podres de São Sebastião do seu Rio de Janeiro.

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