Outro dia a minha esposa quis comprar uma boleira. Uma boleira é uma peça de vidro ou plástico
com uma base onde colocamos os bolos
depois de prontos. Saímos às compras,
adquirimos o artefato e antes mesmo que a peça pudesse ser utilizada a tampa de plástico caiu de sua mão e trincou.
O pequeno dano causou uma certa frustração passageira em nós dois,
afinal, saímos de casa para comprar o objeto e nem um bolo sequer pôde ser
depositado ali sem que a boleira se quebrasse.
Então era natal e, no natal, temos a mania de nos tornarmos
mais introspetivos do que de costume e aquilo tudo de boleira trincada me fez refletir sobre o quanto são descartáveis as relações
entre os seres humanos. Conhecemos
alguém, a título de amizade ou relacionamento amoroso, e não nos encantamos com o que vemos e sim
com o que queremos ver.
Na verdade,
depositamos naquela pessoa, as expectativas que nós mesmos criamos, como se estivéssemos comprando uma roupa nova,
tornando inevitável a futura decepção. Adquirimos a amizade e o amor baseado no que vemos
na embalagem e a tratamos como se esta
fosse um produto inquebrável, até que vem a primeira trinca, o primeiro risco,
a primeira falha.
E nenhuma cola, nenhum polimento, nada fará com que o produto
adquirido novo e perfeito volte a ser
exatamente como antes. Da mesma forma, nada fará com que a amizade – ou o amor – uma
vez arranhados, voltem a ser como foram um dia.
Porque não tratamos nossas relações sociais da mesma forma com que lidamos com os produtos
de segunda mão que compramos? Ora, quando compramos um carro usado não passamos
por cima de pequenos defeitos e imperfeições? Quando compramos um livro em um
sebo não levamos junto também as marcas do mofo e das traças? Porque esperar
que uma amizade ou um romance novos não venham com os acertos e erros de
experiências passadas?
O ser humano, em sua essência, é feito de uma parte de sinceridade e altruísmo e quatro partes de dissimulação e egoísmo. Fosse um bolo, a humanidade teria uma cobertura quatro vezes maior que a massa e por mais delicioso que pudesse parecer, em um momento se tornaria intragável. Quando conhecemos alguém imaginamos não o que podemos acrescentar àquela pessoa, mas o que ela pode acrescentar a nós mesmos. Então, que tal sermos menos exigentes com nossas relações e um pouco mais exigentes conosco?
Da mesma forma que um amassado em um carro usado preocupa menos do que em um carro novo, uma mágoa em um coração tranquilo dói menos do que em um coração fustigado. E amigos, amores, pessoas enfim, não são produtos, e ainda que fossem, não seriam produtos novos, na prateleira, prontos a serem usados. Pessoas têm uma vida, um passado, têm vivências. Se não pudermos aprender também com seus erros, então melhor nem tentar se relacionar.
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