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QUEM VAI FICAR COM JONATHAN RICHMAN?

O rock tem segredos muito bem guardados e um deles chama-se Jonathan Richman. Adorado por nove entre dez roqueiros influentes das décadas de 80 e 90, é solenemente ignorado pelos fãs destes mesmos roqueiros influentes.  Muita gente boa que idolatra bandas como WilcoBelle & Sebastian e Those Young Adults, poderia olhar um pouco para trás e descobrir de onde vem tanto lirismo: do violão de nylon do músico americano.

Nascido em Boston, em 1951, Jonathan aprendeu a tocar violão aos 15 anos. Sua incomum musicalidade ele atribui às canções que sua mãe costumava cantar ao pô-lo para dormir, aos três anos de idade. Em 1969, mudou-se para a vizinha Nova Iorque se hospedando na casa do manager do Velvet Underground e se tornando amigo de Lou Reed (que, certa vez, declarou que se sentia frustrado por não escrever como Richman), esperando por uma chance no show-bizz.

Ainda em 69, antes de retornar a Boston, formou o grupo Modern Lovers com Chris Frantz, que depois viria a ser integrante dos Talking Heads e Marky Ramone, que viria a ser baterista vocês sabem de que banda. Esta encarnação dos Lovers não gravaria oficialmente nenhum disco, embora se tornasse uma lenda entre os fãs de Jonathan Richman.

Em 1977, um single lançado na Inglaterra com a música Egyptian Reggae traria no lado b a canção Roadrunner, gravada pelos Modern Lovers originais e nunca editada comercialmente. A garotada , na efervescência do movimento punk, virou o lado e começou a ouvir Roadrunner noite e dia. Um comercial na TV do boneco do personagem homônimo ("Roadrunner" é ninguém menos que o nosso simpático "Papa-léguas") fez o resto com Richman se tornando uma espécie de punk hero com direito a ser regravado pelos Sex Pistols. O interesse pela antiga formação da banda de Jonathan fez com que um disco reunindo as "gravações perdidas" fosse editado. Os Lovers originais finalmente ganhavam um registro à altura da lenda.

Jonathan passa longe da unanimidade. Alguns o odeiam, muitos o amam. Poucos se negam a constatar o talento em escrever canções pseudo fúteis onde exerce um humor hilário mas contundente. Grava quase sempre sem overdubs (todos os instrumentos ao mesmo tempo, ao contrário da maioria dos artistas, que gravam um instrumento por vez), sua "banda" é composta dele mesmo mais um baterista com um kit mais que básico (caixa, bumbo e prato), um baixista que toca um baixo acústico, daqueles enormes, e eventuais guitarristas e saxofonistas.

Suas canções versam sobre temas que vão da infância à idade adulta. Enquanto em "Try a little tought" discerne amargamente sobre o fim de um relacionamento onde se sentia aprisionado, em "I'm a Little Airplane" se entrega à uma brincadeira de "ser um aviãozinho" junto com os inseparáveis Modern Lovers. As melodias e os arranjos reproduzem os mais adoráveis clichês dos anos 50 e 60 sem em nenhum momento cair na obviedade. É muito comum alguém ouvir uma canção de Jo-Jo e pensar que se trata de uma cover, para depois descobrir maravilhado que se trata de um original.

Em 86, Jonathan vai à Inglaterra para gravar seu melhor disco, o clássico It's Time For,  na Rough Trade, a convite de Andy Paley, produtor de sucesso que, nas horas vagas, era integrante não oficial dos Modern Lovers. Em 1990, lança o autoexplicativo "Jonathan Goes Country", e se impõe um autoexílio que só seria quebrado em 1993. com não mais um clássico, e sim dois: "Ï, Jonathan" e "Te Vas A Emocionar", todo cantado em espanhol. Jonathan havia descoberto como era querido pela comunidade hispânica nos Estados Unidos e nos países de língua espanhola e resolveu homenagear seus fãs latinos. O resultado pode até não ter sido dos melhores, mas fica a pergunta: Quantos rockstars fizeram isto antes ou depois de Jo-Jo?.

Em 1998, Jonathan participa do filme Quem Vai Ficar Com Mary?, como uma espécie de trovador que pontua as cenas do filme com pequenas canções descritivas. Este também não ganhou o Oscar. Em 2001, aos 50 anos, lança o adulto "Her Mistery Not of High Heels And Eye Shadow", considerado por muitos seu melhor disco. Em 2004, Richman está preparando um novo álbum e promete mais uma surpresa, desta vez destinado ao público de língua portuguesa: o artista pretende gravar sua primeira canção na língua de Camões. Vai nos emocionar.
 (Publicado originalmente em 2004. A canção em português, "Cerca", nunca foi lançada comercialmente mas é encontrável em bootlegs.)

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