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BOTA PRA FUDER PARTE III - PASSAMOS POR ISSO.

Eu ainda iria em muitos outros shows do Camisa de Vênus mas fui me dando conta da crescente antipatia e soberba do bandleader Marcelo Nova.  Com o ego inflado pelo sucesso  inegável , Marcelo esqueceu que a fórmula da enorme aceitação do Camisa na Bahia  era fazer com que o fã se sentisse parte do espetáculo. Nova  passou a confundir  irreverência com arrogância e  a destratar os seus admiradores, seja em cima do palco seja no contato pessoal.  Nos shows, passou a tratar a plateia como um bando de idiotas a quem dominava. Os mais descerebrados o idolatravam por isto, porém, as cabeças mais pensantes logo notaram que não valia mais  a pena pagar para ir a um show para sofrer bullying.  

         Quando o truque deixou de funcionar na Bahia, o Camisa de Vênus se preparou para alargar os horizontes e rumou, primeiro para o Rio de Janeiro, depois para São Paulo, indo parar no Rio Grande do Sul.  Dali em diante a banda perderia muito do encanto inicial. O segundo disco não me agradou muito, os outros dois seguintes  também, e o Camisa se tornou apenas uma boa lembrança no meu passado.

    O Camisa de Vênus acabou, voltou, acabou de novo, mudou de formação, incluiu “bons músicos”  nas inúmeras formações que se seguiram  – o que era um contrassenso, já que o charme daqueles primeiros tempos era  justamente a precariedade musical compensada por altas doses de energia e entusiasmo – e encontrou seu ocaso tocando no Festival de Verão junto a bandas de axé-music que tanto criticara, com Marcelo tentando polemizar com uma plateia que não era toda sua e  pouco interessada no som que vinha do palco.

 Em 2005, tocando na LP & Os Compactos, organizamos um show com o “Persona Non Grata”, grupo que incluía Gustavo Mullem, o outro guitarrista do Camisa, e Karl Hummel na formação. Eu, que nunca fora de tietar ninguém, tive a oportunidade de manter um contato bem mais próximo com duas das pessoas que realmente fizeram parte da minha adolescência. 

 Ainda nos encontraríamos mais três ou quatro vezes pelos palcos da vida, a última com Karl e Gustavo já  fazendo parte da versão deles do Camisa de Vênus com Eduardo Scott nos vocais.

Devo dizer que Gustavo Mullem é o cara. Uma pessoa atenciosa, gentil, bem-humorada, sem frescuras e, ao mesmo tempo, 100% rocker. Junto a Karl Hummel, formam uma verdadeira “dupla dinâmica”. E a relação deles dois é de amizade, de gente que se conhece, se ama e se odeia há muitas décadas. Então, se existem dois integrantes da banda baiana que parecem completa e literalmente afinados entre si, são os dois. Nada mais natural que tocassem juntos.

Já Eduardo Scott é um cara esforçado, simpático,  e muito educado. O conheço dos tempos em que frequentava os ensaios de sua banda anterior, o Gonorréia, ainda nos anos 80, e dos tempos em que ele trabalhava na Polygram, nos anos 90,  quando eu era lojista do ramo de discos.  Sempre foi pessoalmente aquilo que é no palco. Mas falta a Scott o carisma inegável de Marcelo Nova.  Quando vi o Camisa  ao vivo com o novo vocalista,  tive a impressão que Scott agia como um professor substituto que segue rigorosamente o plano de aula do professor efetivo.  E a culpa não é dele, de Scott.  Pelo contrário, aceitar substituir alguém icônico como Marcelo Nova  foi uma atitude corajosa e digna de todo o respeito. 

Conferi este já não novo Camisa em um show em que tocamos juntos,  no aniversário de um famoso médico baiano. Tocaram os hits respeitando os arranjos originais, coisa de gente sincera e apaixonada, que não se cansa nem se envergonha do que já fez.  Foi bom  ver  Karl e Gustavo  de cabelos brancos, pagando o tributo devido ao rock and roll, ainda que a antiga energia não fosse mais a mesma.  Havia legitimidade em toda aquela decadência. (Continua)

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