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OS PRETOS VELHOS DO BRASIL.

Se eu fosse personificar Deus de alguma forma, em vez do caucasiano idoso, cabeludo, sisudo  e musculoso das pinturas renascentistas, eu o imaginaria de chapéu de palha desfiado, camisa quadriculada, cachimbo no canto da boca,  a pele bem escura e a cabeça repleta de fios brancos de cabelo.  Mais ou menos como a caracterização feita pelo ator Samuel dos Santos para o seu personagem Tio Barnabé, da primeira versão do programa  Sítio do Pica Pau Amarelo, exibido pela TV Globo, na década de 70.

Não, eu não sou umbandista ou simpatizante de religiões afro-brasileiras, mas também não sou antipatizante. Tento manter uma fé na existência de uma força criadora sem me ater a religiões, então, não se trata de uma maneira disfarçada de promover esta ou aquela religião. O preto velho,  de cabeça branca, sereno, de fala mansa e olhar cândido,  me parece muito mais com o Deus que eu imagino do que qualquer outro personagem que possa ser criado pelo homem.

É claro que Deus não é humano, portanto  não é branco nem preto, nem homem nem mulher. Assim, Ele não se parece com um preto velho ou um branco jovem. O que eu quero expor aqui é como os cultos afro religiosos foram felizes em associar algo divino à imagem de um preto velho. Quem poderia ser mais sábio que Deus? E que forma mais perfeita poderia haver de representar toda esta sabedoria senão através de um idoso de cabelos brancos e voz adocicada?

Aliás, a presença do idoso - e do idoso negro em particular - na literatura popular brasileira  como símbolo de sabedoria,  é vasta e renitente. Na mesma obra de Monteiro Lobato em que pontifica o Tio Barnabé,  há a Nhá Benta, branca, avó carinhosa, mas também há a Tia Nastácia, a “negra de colo quente”, como bem descreveu Dorival Caymmi, onde o  “sinhozinho” vai se aconchegar. É uma visão conformista e adulterada do papel do negro na sociedade brasileira? É sim, mas quem haveria de resistir aos encantos daquela que “conta história” e que “sabe agradar”? Qual criança, branca ou negra, não disputaria o colo da velha para cochilar?

A figura de um idoso, seja ele branco, negro ou amarelo, já é, por si só, digna do maior respeito.  Pena que Deus não quis que experiência e juventude caminhassem juntas e preferiu que, ao escassear uma, a outra se excedesse.  Não tolero ver um jovem maltratando um idoso. O argumento de que o idoso “está ocupando lugar no mundo” me faz perder a cabeça e desejar a morte prematura daquele que profere tal absurdo.  

Temo pelo meu futuro em uma sociedade que valoriza tão pouco o mais velho, já que, dentro de mais alguns anos, também serei da assim chamada terceira idade. Por enquanto, resta venerá-los, a todos os pretos velhos deste país, sejam eles brancos, negros, amarelos, índios ou de que cor  forem. A benção, meus sábios mestres.

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