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DJ é músico.

Eu nem acho que DJ seja músico ou deva ser tratado como tal. Mas gosto de dizer que DJ é músico sim, apenas para tirar do sério gente metida a besta que acha que tocar um instrumento é uma espécie de sacerdócio que os torna especiais aos olhos do resto da humanidade.



Certa vez, quando ainda fazia parte de uma banda, fomos contratados para tocar em um evento e, antes de nós, acontecia a apresentação de um famoso DJ da minha cidade, o DJ Agenor. Enquanto Agenor executava brilhantemente o seu trabalho, fomos obrigados a passar o som bem ao lado dele, atrapalhando o seu set. Aquilo me deixou profundamente aborrecido, porque, em qualquer atividade, respeito é fundamental. Após nossa apresentação pedi desculpas ao DJ, que conheço de longas datas, por mim e pela minha banda. Agenor sorriu e me disse que não era nada, que já estava acostumado com aquilo.

No caso, fomos pressionados a passar os instrumentos pelo técnico de som, dono do equipamento alugado, que queria ir embora para casa mais cedo e faria tudo do seu jeito, atrapalhado e apressado. O técnico em questão era um músico aposentado, daqueles bem ranhetas e chatos, que acreditam que só existe uma forma de fazer as coisas, a dele.


Eu conheço o DJ Agenor, literalmente, desde menino. Frequentava minha loja de discos, sempre comprando coisas que denotavam seu excelente gosto musical. Não sei porque ele não quis aprender a tocar um instrumento e projetar seu conhecimento musical em criação artística, porque informação ele tinha e tem de sobra. Preferiu ser DJ e não há nenhum demérito nisto. Se transformou em um profissional de inequívoca qualidade em sua área.


Músicos são uma casta curiosa. Aprendem a tocar um instrumento e acreditam piamente que isto basta.  Basta a técnica, basta a pose, basta a marra inerente ao “ser músico”. Esquecem a essência, a alma da música, e se prendem, única e exclusivamente, no lado técnico. Músicos amam seus instrumentos, artistas amam a música, talvez seja esta a chave do mistério.

Muitos hoje louvam Hendrix, saúdam, e com toda a razão, o guitarrista americano como um gênio musical. Mas, se o artista Hendrix não tivesse se sobressaído ao músico, provavelmente nada da revolução que ele fez com a guitarra, transformando a cara da música de seu tempo, tivesse realmente acontecido.

Porque músicos são pétreos, são rígidos, não arriscam nada além da partitura musical. Os músicos artistas, estes sim, arriscam tudo. E Djs, se não forem músicos, ao menos são artistas, porque, em música, enquanto arquitetos criam canções, eles são os engenheiros do risco.



São os DJs que irão pegar aquela música linda e maravilhosa e transformá-la em outra coisa. Podem transformá-la em algo melhor ou pior. Podem ver seus remixes serem elogiados ou podem também serem xingados pela eternidade afora, por terem “mutilado” alguma coisa que julgam perfeita. Enquanto, no palco, um músico pode parar um show durante cinco, dez minutos e, ao reiniciá-lo, ter toda a receptividade do público de volta, ao Dj não é dado sequer a chance de um segundo de silêncio. E há de se combinar canções, batidas, colagens, para que a festa, sempre ela, continue até o dia amanhecer.

Realmente, dou o braço a torcer. DJs não são músicos. São artistas. Artistas das picapes, dos escreches, dos remixes, da dança e da diversão. Eu não frequento festas, eu sequer ouço DJs. Mas há de se manter o respeito pelo trabalho de quem quer que seja. Ainda mais pelo trabalho de gente que vive de divertir os outros, de colorir e deixar mais doce a vida de quem, além de intermináveis solos de guitarra, só quer isto mesmo: se divertir.









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